15 janeiro, 2008

COMO NASCEU E COMO MORREU O “MARXISMO OCIDENTAL” 16/08/2011

Estud. sociol., Araraquara, v.16, n.30, p.213-242, 2011 213
COMO NASCEU E COMO MORREU O
MARXISMO OCIDENTAL1
Domenico LOSURDO*
Carlo Alberto DASTOLI** (tradução e revisão técnica).





RESUMO: Por muito tempo o “marxismo ocidental” celebrou a sua
superioridade em relação ao marxismo dos países que se remetiam ao socialismo
e que estavam todos situados no Oriente. Em decorrência dessa atitude arrogante,
o marxismo ocidental nunca se empenhou seriamente em repensar a teoria de
Marx à luz de um balanço histórico concreto: qual era o papel do Estado e da
nação nesses países e no “campo socialista”? Como promover a democracia e
os direitos humanos e como estimular o desenvolvimento das forças produtivas
e o bem-estar das massas numa situação caracterizada pelo bloqueio capitalista?
Ao invés de pôr-se essas questões difíceis, o marxismo ocidental preferiu
abandonar-se à cômoda atitude autoconsolatória de quem cultiva em particular
as suas utopias e rejeita, como uma contaminação, o contato com a realidade e a
reflexão sobre a realidade. Disso derivou uma progressiva capitulação à ideologia
dominante. Por fim, a autocelebração do marxismo ocidental desembocou na sua
autodissolução.

PALAVRAS-CHAVE: Marxismo ocidental. Campo socialista. Falta de balanço
histórico. Autodissolução.

1 NE: o artigo está publicado de acordo com a versão apresentada originalmente, inclusive a
normalização, na obra: Wie der «westliche Marxismus» geboren wurde und gestorben ist. In: Erich
Hahn, Silvia Holz-Markun (eds.), Die Lust am Widerspruch. Theorie der Dialektik-Dialektik der
Theorie. Symposium aus Anlass des 80. Geburtstag von Hans Heinz Holz, Trafo, Berlim, 2008, pp.
35-60.
* UNIURB-IT – Università degli studi di Urbino “Carlo Bo” – Itália
** Escola Italiana Eugenio Montale. São Paulo – SP – Brasil. 05705-190 - dastoli@uol.com.br
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Domenico Losurdo
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1 . O “marxismo ocidental” e a remoção da questão colonial.
Por que o marxismo ocidental, após desfrutar de um sucesso extraordinário até
se tornar a koiné das décadas de 1960 e 1970, mergulhou numa crise tão profunda?
Sem dúvida, os fatos históricos que todos conhecemos e que culminaram com a
queda da União Soviética e do “bloco socialista” desempenharam neste caso um
papel fundamental. No entanto, embora inevitável, esse tipo de explicação não é
exaustivo: é necessário aprofundar a análise, concentrando a atenção nas fraquezas
intrínsecas que o marxismo ocidental revela no Ocidente, mesmo na época em
que sua hegemonia parece incontestável. Nada é mais verdadeiro em relação à
Itália. É preciso partir de um debate suscitado por Norberto Bobbio em 1954. Ele,
embora insistindo justamente na irrenunciabilidade da liberdade formal e das suas
garantias jurídico-institucionais, atribui como mérito dos Estados Socialistas o fato
de eles “terem começado uma nova fase de progresso civil em países politicamente
atrasados, introduzindo instituições tradicionalmente democráticas, de democracia
formal, como o sufrágio universal e a elegibilidade dos cargos, e de democracia
substancial, como a coletivização dos instrumentos de produção”. Entretanto, é a
conclusão crítica, o novo “Estado Socialista” não soube transplantar em seu bojo
o governo da lei e os mecanismos de garantias liberais, não soube ainda proceder
à “limitação do poder” e derramar “uma gota de óleo (liberal) nas engrenagens da
revolução já realizada”2. Como se vê, estamos bem longe das posições assumidas
pelo fi lósofo de Turim na última fase da sua evolução, no momento em ele se torna,
em última análise, um ideólogo da guerra do Ocidente: em 1954 (faltam dois anos
para o XX Congresso do PCUS e a revolta húngara) a infl uência do marxismo e
o prestígio dos países que fazem referência a ele são grandes; nesse momento,
ao lado da “democracia formal”, Bobbio teoriza também uma “democracia
substancial”; além disso, expressa um juízo a respeito dos países socialistas que
não é univocamente negativo, nem mesmo a respeito da “democracia formal”.
Quais são as reações dos intelectuais comunistas italianos? Para rechaçar ou
atenuar as críticas dirigidas, em primeiro lugar, à União Soviética, eles poderiam ter
alegado o estado de exceção permanente imposto ao país surgido da Revolução de
Outubro como justificativa parcial do atraso, bem como a ameaça do aniquilamento
nuclear que pairava de forma contínua sobre ele. Galvano Della Volpe, ao contrário,
segue uma estratégia totalmente diferente, concentrando-se na celebração da libertas
maior (o desenvolvimento concreto da individualidade garantido pelas condições
materiais de vida). Desse modo, por um lado, as garantias jurídicas do Estado
de Direito são desvalorizadas, implicitamente rebaixadas à condição de libertas
2 Bobbio, 1977, pp. 164, 167 e 280.
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minor; por outro lado, acaba-se valorizando a transfi guração realizada por Bobbio
da tradição liberal, enquanto campeã da causa da fruição universal (pelo menos dos
direitos civis), da liberdade formal, da libertas minor, da “limitação do poder”. Para
sustentar essa visão, Bobbio remete ao hino que John Stuart Mill, em seu ensaio
dedica à liberdade, talvez o mais célebre: On Liberty. Entretanto, é justamente nesse
ensaio que vemos o liberal inglês justificar o “despotismo” do Ocidente sobre as
“raças” ainda “menores de idade”, obrigadas a aceitar uma “obediência absoluta”,
de tal forma que possam ser guiadas no caminho em direção ao progresso 3. Em
1954, o “despotismo” e a “obediência absoluta” impostos pelo Ocidente eram muito
bem percebidos no mundo colonial; nos Estados Unidos, os negros continuavam
excluídos maciçamente dos direitos políticos e, às vezes, até dos direitos civis (no
Sul ainda não desaparecera o regime de segregação racial e da white supremacy).
Della Volpe, completamente absorvido pela celebração da libertas maior, não se
preocupa ou não é capaz de chamar a atenção para o equívoco clamoroso de Bobbio.
O fato é que, embora apresentando-se cada vez de maneira diferente, a
remoção da questão colonial caracteriza amplamente o marxismo ocidental daqueles
anos. Em 1961, Ernest Bloch publica Direito Natural e Dignidade Humana. Como o
próprio título revela, estamos bem longe da subestimação da libertas minor, tão cara
a Della Volpe; ao contrário, a reivindicação da herança da tradição liberal é explícita,
submetida, contudo, a uma crítica que infelizmente parece uma transfi guração.
Bloch critica o liberalismo por defender uma “igualdade formal e apenas formal”.
E acrescenta: “Para impor-se, o capitalismo está interessado só na realização de
uma universalidade da regulamentação jurídica, que abraça tudo de maneira igual”4.
Essa afirmação pode ser lida num livro publicado no mesmo ano em que a
polícia, em Paris, desencadeia uma caça impiedosa contra os argelinos, afogados
no rio Sena ou mortos a pauladas; e tudo isso à luz do dia, aliás, na presença de
cidadãos franceses que, sob a proteção do governo da lei, assistem divertidos ao
espetáculo: belo exemplo de “igualdade formal”! Na capital de um país capitalista e
liberal assistimos a ação de uma dupla legislação, que entrega ao arbítrio e ao terror
policial um grupo étnico bem definido. Se, depois, considerarmos as colônias e as
semi-colônias e olharmos, por exemplo, a Argélia ou então o Quênia ou a Guatemala
(um país formalmente livre, mas, de fato, sob o protetorado norte-americano),
veremos o Estado dominante, capitalista e liberal, lançando mão, de forma ampla e
sistemática, da tortura, dos campos de concentração e das práticas genocidas contra
os povos indígenas. Disso tudo não há vestígio nem em Bobbio, nem em Della Volpe
e tampouco em Bloch.
3 Mill, 1972, p. 73.
4 Bloch, 1961, p. 157.
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Os povos coloniais ou de origem colonial continuam ausentes quando o
autor de Direito Natural e Dignidade Humana trata de Grotius e de Locke (o
apreço por sua orientação jusnaturalista não menciona o empenho de ambos em
justificar a escravidão negra), ou no momento em que faz referência à Guerra de
Independência americana (a homenagem feita aos “jovens Estados livres” nem
sequer menciona o peso da escravidão na realidade político-social e na própria
Constituição dos EUA)5.
Esse silêncio é ainda mais singular porque, justamente nesses anos,
começa a desenvolver-se, na república do outro lado do Atlântico, a luta dos
afro-americanos. É um acontecimento que chama a atenção de Mao Tsé-tung,
em Pequim, e pode ser interessante confrontar os posicionamentos de duas
personalidades tão diferentes entre si. Se o fi lósofo alemão denuncia o caráter
meramente “formal” da igualdade liberal e capitalista, o dirigente comunista
chinês procede, por sua vez, de maneira bem diferente. Decerto, ele ressalta o
fato de os negros apresentarem uma taxa de desemprego bem maior que a dos
brancos, além de serem confinados aos segmentos inferiores do mercado de
trabalho e serem obrigados a contentar-se com salários reduzidos. Isso, porém,
não é tudo: Mao chama a atenção para a violência racista desencadeada pelas
autoridades do Sul e pelos bandos tolerados ou encorajados por elas e celebra a
“luta do povo negro americano contra a discriminação racial e pela liberdade e a
igualdade dos direitos”6. Bloch critica a revolução burguesa pelo fato de ela “ter
limitado a igualdade à liberdade política”; em relação aos afro-americanos, Mao
observa que “a maioria deles está desprovida do direito de voto”7. Reduzidos à
mercadoria e desumanizados pelos seus opressores, os povos coloniais travaram
batalhas memoráveis pelo reconhecimento durante séculos, mas em Bloch se
lê: “O princípio pelo qual os homens nascem livres e iguais já está presente no
direito romano; agora deve estar presente também na realidade”. E vejamos
agora a conclusão do artigo de Mao de 1963, acima citado: “O perverso sistema
colonial-imperialista desenvolveu-se graças à escravidão e ao tráfico negreiro, e
ele certamente chegará ao fim com a total libertação dos negros”8.
Sinais semelhantes manifestam-se no Vietnã, onde está ocorrendo uma grande
luta de libertação nacional guiada por Ho Chi Minh, que, já em 1920, acusara a
Terceira República francesa nestes termos: “A chamada justiça indochinesa, naquela
região, tem dois pesos e duas medidas. Os anamitas não têm as mesmas garantias
dos europeus e dos europeizados”. Não são apenas “vergonhosamente oprimidos
5 Bloch, 1961, p. 80.
6 Mao Tsé-tung, 1998, p. 377.
7 Bloch, 1961, p. 7; Mao Tsé-tung, 1998, p. 377.
8 Bloch, 1961, p. 79; Mao Tsé-tung, 1998, p. 379.
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e explorados” mas também “horrivelmente martirizados” e sofrem “todas as
atrocidades cometidas pelos bandidos do capital”9. Como se vê, nos textos aqui
citados de Mao e de Ho Chin Minh, a libertas minor tão cara a Della Volpe não é
subestimada e tampouco a ilusão (comum, com modalidades diferentes, em Bobbio,
Della Volpe e Bloch), segundo a qual o capitalismo e o liberalismo garantiriam de
qualquer modo a “igualdade formal” ou até mesmo a “igualdade política”. Tanto
o líder chinês como o líder vietnamita têm, de alguma forma presente, a indicação
de Lênin: “Os homens políticos mais liberais e radicais da livre Grã-Bretanha [...]
se transformam, quando se tornam governadores da Índia, em verdadeiros Genghis
Khan”10. Na própria metrópole capitalista e liberal manifestam-se “contínuas
violações da igualdade (inclusive) jurídica das nações”: a esse respeito, Lênin cita
em 1920 o exemplo da “Irlanda” e dos “negros da América”; tanto na Inglaterra,
como nos Estados Unidos, as “garantias dos direitos das minorias nacionais”11 são
vilipendiadas. E tanto Mao como Ho Chi Minh poderiam ter mencionado as páginas
em que Marx denuncia o tratamento da Inglaterra liberal em relação à Irlanda (uma
colônia situada na Europa): trata-se de uma política ainda mais cruel e terrorista
do que a praticada pela Rússia czarista e autocrática contra a Polônia (MEW, XVI,
552). Como se vê, o marxismo “oriental” empenha-se, compreensivelmente, muito
mais do que o marxismo “ocidental” na denúncia das cláusulas macroscópicas de
exclusão da liberdade liberal.
2. Althusser e a crítica do “humanismo”
Voltemos ao debate suscitado por Bobbio em 1954. Há uma intervenção
sensivelmente diferente daquela de Della Volpe. A polêmica com o fi lósofo de Turim
desenvolve-se agora assim: “Quando e em que medida foram aplicados aos povos
coloniais aqueles princípios liberais sobre os quais se diz fundado o Estado inglês do
século XIX, modelo, creio, de regime liberal perfeito para aqueles que raciocinam
como Bobbio?”. A verdade é que a “doutrina liberal [...] está fundada numa
discriminação bárbara entre as criaturas humanas”, que se alastra não só nas colônias,
mas na própria metrópole, como demonstra o caso dos negros estadunidenses, “na
maioria privados dos direitos elementares, discriminados e perseguidos”12. Nessa
tomada de posição não há nenhuma degradação da “liberdade formal” à libertas
minor, mas, ao mesmo tempo, não se perde de vista o fato de sua fruição ter sido
9 In: Lacouture, 1967, p. 37.
10 Sostanze infi ammabili nella politica mondiale (1908), In: Lênin 1955-70, vol. XV, pp. 178-9.
11 Primeiro esboço de teses sobre a questão nacional e colonial (junho 1920), In: Lênin 1955-70, vol.
XXXI, p. 162.
12 Togliatti, 1974-84, p. 866.
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historicamente negada às massas incalculáveis de homens pelo próprio Ocidente
liberal. Essa intervenção deve-se a um autor hoje quase completamente esquecido,
mas que responde pelo nome de Palmiro Togliatti, na época secretário-geral do P.C.I.
Estamos diante de um expoente do “marxismo ocidental”? No entanto, deve-se
notar que não se trata de um filósofo profissional, e sim de um político profissional,
além disso ligado organicamente – pelo menos assim julgam seus críticos – ao
orientalizante “socialismo real”.
Concentremo-nos, contudo, na expressão utilizada por Togliatti:
“discriminação bárbara entre as criaturas humanas”. Trata-se de uma condenação
inspirada por aquele “humanismo integral” em que, segundo Gramsci, consiste
o comunismo; por outro lado, vimos Bloch levantar, em 1961, a bandeira em
defesa da “dignidade humana”. Naqueles mesmos anos, o humanismo exerce um
papel fundamental em Sartre, que faz uma denúncia apaixonada do colonialismo
evidenciando justamente teorias e práticas de desumanização por ele desenvolvidas.
Estamos diante de expressões diferentes daquele “humanismo” que mais tarde se
torna o bicho-de-sete-cabeças de Louis Althusser. Como é sabido, o jovem Marx
denuncia a sociedade existente como negação do “humanismo positivo” (positiver
Humanismus) e do “humanismo realizado” (vollendeter Humanismus) (MEW,
Erg. Bd., I 583 e 536), do “humanismo real” (realer Humanismus) (MEW, II, 7),
e formula seu programa revolucionário, enunciando o “imperativo categórico de
derrubar todas as relações em que o homem é um ser degradado, escravizado,
abandonado, desprezado” (MEW, I, 385). Para Althusser, essas formulações
são ingenuidades ideológicas, felizmente superadas pelo Marx maduro, a partir
aproximadamente de 1845, quando teria ocorrido a “ruptura epistemológica” e a
retórica humanística, que esqueceu a luta de classes, que teria sido suplantada pelo
materialismo histórico, ou melhor, pela ciência da história.
Na realidade, essa suposta retórica continua ecoando mais forte do que
nunca no Manifesto do Partido Comunista, que convida a derrubar um sistema, o
capitalista, que desconhece a dignidade humana da imensa maioria da população:
no banco dos réus são colocadas as relações econômicas e sociais que implicam a
“transformação em máquina” dos proletários (MEW, IV, 477), rebaixados desde
a infância a “meros artigos de comércio e instrumentos de trabalho” (MEW, IV,
478), a “simples acessório da máquina” (MEW, IV, 468), à apêndice “dependente e
impessoal” do capital “independente e pessoal” (MEW, IV, 476).
Para Althusser, o Manifesto do Partido Comunista faz parte das “obras
de maturação teórica” e não das “obras da maturidade” plenamente alcançada13.
Vejamos, então, em que termos O Capital coloca no banco dos réus o sistema
13 Althusser, 1967, pp. 17-8.
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capitalista: a busca pelo lucro implica um “desperdício” de vida humana, digno de
Timur-Tamerlão(MEW, XXIII, 279, nota 208). É um sistema que não hesita em
sacrifi car vidas humanas em formação e incapazes de se defender: eis o “grande
rapto herodiano das crianças realizado pelo capital no início do sistema fabril nas
casas dos pobres e dos orfanatos, através do qual ele incorporou um material humano
totalmente desprovido de vontade” (MEW, XXIII, 425, nota 144). São terríveis os
custos humanos do capitalismo. Basta pensar na formação da indústria têxtil na
Inglaterra: procura-se a matéria prima necessária cercando e destinando às pastagens
as terras comuns que antes asseguravam a subsistência de grande parte da população
que, expropriada, é condenada à fome e ao desespero: sim – sintetiza O Capital
citando Thomas More – “as ovelhas devoram os homens” (MEW, XXIII, 747, nota
193). A sociedade burguesa ama celebrar a si mesma como “um verdadeiro Éden dos
direitos inatos do homem”, na realidade no seu âmbito o “trabalho humano”, aliás, “o
homem enquanto tal [...] desenvolve ao contrário um papel miserável” (MEW, XXIII,
189 e 59). Se passarmos apenas da esfera da circulação à da produção, notamos que,
bem longe de ser reconhecido em sua dignidade de homem, o trabalhador assalariado
“leva ao mercado a sua própria pele e não tem outra coisa a esperar a não ser o...
curtume” (MEW, XXIII, 191).
A crítica dos processos de desumanização ínsitos no capitalismo ressoa com
força ainda maior quando Marx fala do destino reservado aos povos coloniais:
com “a aurora da era da produção capitalista”, a África se transforma em uma
“reserva de caça para os mercadores de pele negra” (MEW, XXIII, 779). Passemos
agora para a Ásia e para o império colonial holandês: aí funciona “o sistema
de roubo de homens nas Célebes para obter escravos para Java”, com “ladrões
de homens” (Menschenstehler) propositalmente “adestrados para tal fi nalidade”
(MEW, XXIII, 780). Ainda na metade do século XIX vemos nos EUA o escravo
negro assumindo completamente a forma de simples “propriedade” tanto quanto
as outras, enquanto a lei sobre a restituição dos escravos fugitivos determina
a transformação dos próprios cidadãos do Norte em “caçadores de escravos”
(MEW, XV, 333). Nesse meio-tempo, alguns Estados no Sul especializam-se na
“criação de negros” (Negerzucht) (MEW, XXIII, 467), ou seja, no “breeding of
slaves” (MEW, XXX, 290: carta a Engels de 29 de outubro de 1862). Renunciando
aos tradicionais “artigos de exportação”, esses Estados “criam escravos” como
mercadorias de “exportação” (MEW, XV, 336). Por outro lado, quando estoura
a guerra, eis que proprietários de escravos abandonam áreas consideradas pouco
seguras para transferir-se para o Sul, arrastando consigo seu excelente “black
chattel” (MEW,XXX, 290: carta a Engels de 29 de outubro de 1862). Como se
vê, também nos escritos da maturidade, recorre em Marx a motivação crítica que
censura a sociedade burguesa por ela reduzir a grande maioria da humanidade
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à “máquinas”, a “instrumentos de trabalho”, à “mercadoria” que pode ser
tranquilamente “esbanjada”, a “produtos de comércio” e a “artigos de exportação”,
a bens móveis dos quais o dono pode dispor como uma “bagagem”, a animais de
criação, ou seja, à pele objeto de caça ou a ser destinada ao curtume.
A denúncia do anti-humanismo do sistema capitalista não desapareceu de
modo algum e nem pode desaparecer, porque está no centro do pensamento de Marx:
a comparação, tão importante para ele, entre escravidão moderna e escravidão antiga,
escravidão assalariada e escravidão colonial, signifi ca a permanência, no âmbito do
capitalismo, daquele processo de reifi cação que se manifesta em toda a sua crueza
em relação ao escravo propriamente dito, completamente reduzido à mercadoria ou à
condição de animal. O rigor científi co e a indignação moral resultam tão entrelaçados
entre si, e é somente este entrelaçamento que pode explicar o apelo à revolução.
Por mais fi el e impiedosa que possa ser, a descrição da sociedade existente não
pode por si só estimular a ação para a sua derrubada, se não houver a mediação
da condenação moral; e essa condenação moral brota em Marx da constatação dos
processos de desumanização ínsitos ao sistema capitalista; a partir daí, a realização
de uma nova ordem é percebida como um “imperativo categórico”, e isso tanto
nos escritos de juventude quanto nos escritos de maturidade. Se as Teses contra
Feuerbach se concluem com a condenação dos fi lósofos que se revelam incapazes
de “transformar” um mundo no qual o homem é esmagado e humilhado, O Capital
é uma “Crítica da Economia Política” – como reza seu subtítulo – também no
plano moral: o “economista político” é criticado não apenas por seus erros teóricos,
mas também por sua “imperturbabilidade estóica”, isto é, por sua incapacidade de
indignação moral diante das tragédias provocadas pela sociedade burguesa (MEW,
XXIII, 756). A continuidade na evolução de Marx é evidente, e aquilo que Althusser
descreve como ruptura epistemológica nada mais é que a passagem para um discurso
no âmbito do qual a condenação moral do anti-humanismo da sociedade burguesa
é expressa de maneira mais sintética e mais elíptica.
3. Da história à “ciência” ou do materialismo ao idealismo, da história
mundial ao eurocentrismo
Podemos perfeitamente compreender as razões da posição adotada pelo
fi lósofo francês: são os anos em que a bandeira do “humanismo” é agitada para
abafar a luta contra o imperialismo; iniciou-se o processo que mais tarde levará à
capitulação de Gorbachev. Analisando melhor, a crítica fi losófi ca do humanismo,
enquanto inclinada a ocultar o confl ito social e sua aspereza, é, ao mesmo tempo,
a polêmica contra as “concepções tingidas de reformismo e de oportunismo ou,
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mais simplesmente, revisionistas”, que vinham se difundindo naquela época14.
Infelizmente, essa polêmica é conduzida a partir de posições erradas. Em primeiro
lugar, deve-se considerar que não só o apelo à humanidade comum (e à moral),
mas também o apelo à ciência pode levar ao esquecimento da luta de classes.
E, todavia, o fi lósofo francês toma posição justamente contra o slogan “ciência
burguesa, ciência proletária” e atribui como mérito de Stalin o fato de este ter-se
oposto à “loucura” que exigia “a todo custo fazer da língua uma superestrutura”
ideológica. Graças a essas “simples páginas” – conclui Althusser – “vislumbramos
que o uso do critério de classe não era ilimitado e que nos faziam tratar como uma
ideologia qualquer ciência, cujo título incluía as próprias obras de Marx”15. Pode ser
considerado ilimitado o uso do critério de classe pela moral? Podem ser realmente
postas no mesmo plano posições que reivindicam a unidade do gênero humano e
posições que, na prática, e às vezes de maneira explicita até na teoria, promovem
a desumanização das grandes massas de homens, rebaixados a Untermenschen e
destinados somente a serem escravizados ou aniquilados?
Polemizando contra a leitura humanista do marxismo, Althusser não se
cansa de repetir que Marx não parte do “homem” ou do “indivíduo” mas da
estrutura histórica das relações sociais. Contudo, é estranho que o conceito de
“homem” ou de “individuo” seja considerado óbvio. Convém, então, remeter a
Nietzsche que, após ter condenado a Comuna de Paris desencadeada por uma
“classe bárbara de escravos” em nome da “dignidade do homem” e da “dignidade
do trabalho” humano16, condena a “agitação individualista”17, de um movimento, o
socialismo, cuja erro é querer transformar em indivíduos e em pessoas aqueles que
por natureza “não são nenhuma pessoa”, mas simples “portadores, instrumentos
de transmissão”18. Ou seja, longe de ser um dado óbvio, o conceito de indivíduo
e de homem enquanto tal é o resultado de lutas gigantescas pelo reconhecimento,
conduzidas agitando justamente a bandeira do humanismo tão desprezado por
Althusser. Isso já vale para os trabalhadores assalariados da metrópole (muitas
vezes desumanizados pela tradição liberal e assimilados a instrumentos de
trabalho, a máquinas bípedes, a bestas de carga), mas vale de maneira toda
especial para os povos coloniais. Não faz sentido contrapor a estrutura histórica
das relações sociais ao conceito de homem ou de indivíduo como tal, pelo fato
de que esse mesmo conceito pressupõe radicais transformações políticas e
sociais. Quando afi rma que o humanismo em última análise é burguês, Althusser
argumenta de maneira análoga a Bloch: tanto num caso como noutro a sociedade
14 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 149.
15 Althusser, 1967, p. 06.
16 Nietzsche, 1988, vol. I, p. 117 (O Nascimento da Tragédia, 18)
17 Nietzsche, 1988, vol. XII, p. 503.
18 Nietzsche, 1988, vol. XII, p. 491-2.
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burguesa é recriminada por ater-se apenas à “igualdade formal” e, desse modo, são
removidas também as desigualdades formais e os profundos processos conexos
que caracterizam o capitalismo.
É verdade, o filósofo francês reconhece que pode existir também um
“humanismo revolucionário” originado pela Revolução de Outubro19, mas nesse
ponto é muito hesitante; e assim impede a si mesmo a compreensão das lutas
gigantescas por reconhecimento conduzidas pelos “escravos das colônias” (para
usar uma linguagem tão cara a Lênin). Esse resultado é ainda mais inevitável pelo
fato de a teoria de Marx ser, em Althusser, só um capítulo da história do pensamento
cientifi co: “Antes de Marx só dois grandes continentes haviam sido abertos ao
conhecimento cientifi co, após rupturas epistemológicas sucessivas: o continente
matemático graças aos gregos [...] e o continente físico, graças a Galileo e seus
sucessores”20. É um enfoque que determina duas consequências muito relevantes:
1) Marx insistiu várias vezes sobre o fato de que a sua teoria é a expressão teórica
de um movimento real; agora, porém, é o movimento real que é considerado o
produto, para dizer com Althusser, de uma “ruptura epistemológica”, ou, para
dizer com Della Volpe, de um método científi co que aprende a lição de Galileo
e, antes ainda, de Aristóteles, crítico de Platão. Assistimos assim a uma distorção
idealista do materialismo histórico, visto como o resultado da genialidade de um
único indivíduo que se aventurou na descoberta de um novo continente! Após
ter censurado repetidamente o humanismo por ocultar a luta de classes, agora é
o próprio Althusser que faz desaparecer a luta de classes atrás da elaboração do
materialismo histórico. 2) A distorção idealista do marxismo é, ao mesmo tempo,
sua reinterpretação em em termos eurocêntricos. Para Engels, Lênin e Gramsci, o
marxismo tem atrás de si a Revolução Francesa, e esta acabava remetendo, pelo
menos potencialmente, às lutas gigantescas suscitadas por ela em Santo Domingo e
que culminaram com a abolição da escravidão nas colônias. Agora, ao contrário, a
elaboração do materialismo histórico é o capitulo de uma história que se desenvolve
exclusivamente no Ocidente.
4. O “marxismo ocidental” lê o “marxismo oriental”: um equívoco
coletivo
Althusser segue com profunda participação as lutas realizadas pelos povos
coloniais, e olha com simpatia para a China que aspira pôr-se à frente do movimento
19 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 150.
20 Althusser, 1969, p. 24.
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anti-imperialista; contudo, do ponto de vista teórico, ele não parece capaz de
apreender plenamente o signifi cado dessas lutas. Estamos diante de um fenômeno de
caráter geral. No decorrer dos anos de 1960 e 1970, um equívoco coletivo caracteriza
a esquerda de orientação marxista na Europa e nos Estados Unidos: as grandes
manifestações em favor do Vietnã se entrelaçam tranquilamente com a homenagem
tributada a autores propensos a considerar defi nitivamente superados os movimentos
de libertação nacional. Em 1966, Adorno, em A Dialética Negativa, liquida a
tese hegeliana do “espírito do povo” (Volksgeist), ou seja, o caráter essencial da
dimensão e da questão nacional, como “reacionária” e regressiva “em relação ao
universal kantiano de seu período, a humanidade agora visível”, como eivada de
“nacionalismo” e “provinciana na época de confl itos mundiais e do potencial de
uma organização mundial do mundo”. Pior ainda, tratar-se-ia do culto tributado
a um “fetiche”, a um “sujeito coletivo” (a nação), no âmbito do qual “os sujeitos
[individuais] desaparecem sem deixar vestígios”21. É uma tomada de posição que
a posteriori deslegitimava a guerra conduzida pela Frente de Libertação Nacional
da Argélia, um povo e um país sem dúvida mais provincianos, mais atrasados e
menos cosmopolitas do que a França, contra a qual se insurgiram. Em todo caso,
Adorno colocava-se na impossibilidade de entender as grandes lutas que estavam
acontecendo inclusive debaixo de seus olhos, a começar por aquela guiada pela
Frente de Libertação Nacional do Vietnã.
De resto, vejamos de que maneira o “marxismo oriental” argumenta sobre esse
ponto. Três anos depois da publicação de Dialética Negativa, Ho Chi Minh morre.
Em seu testamento, depois de ter convocado seus concidadãos à “luta patriótica” e
ao compromisso “pela salvação da pátria”, no plano pessoal ele traça este balanço:
“Por toda vida eu servi minha pátria de corpo e alma, servi a revolução, servi o
povo”22. Por outro lado, já em 1960, por ocasião do seu septuagésimo aniversário,
o dirigente vietnamita recordara seu percurso intelectual e político afi rmando que:
“no começo fora o patriotismo e não o comunismo que me levou a acreditar em
Lênin e na Terceira Internacional”. Em primeiro lugar, os apelos e os documentos
que apoiavam e promoviam a luta de libertação dos povos coloniais, ressaltando seu
direito de constituir-se como Estados nacionais independentes, provocaram grande
emoção: “As teses de Lênin [sobre a questão nacional e colonial] despertavam em
mim grande comoção, um grande entusiasmo, uma grande fé, e me ajudavam a ver
claramente os problemas. Tão grande era a minha alegria que até chorei23. No que
diz respeito a Mao, basta pensar na declaração que ele dera na véspera da fundação
da Republica Popular Chinesa, em 1949: “A nossa não será mais uma nação sujeita
21 Adorno, 1970, pp. 304-5 e 307.
22 Ho Chi Minh, 1969, pp. 75 e 78.
23 In: Lacouture, 1967, pp 39-40.
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ao insulto e à humilhação. Já nos levantamos [...] A época na qual o povo chinês era
considerado selvagem agora acabou”24.
Compreende-se perfeitamente a atitude dos dois grandes revolucionários.
Atrás deles estava agindo a lição de Lênin, que assim caracterizara o imperialismo:
trata-se de um sistema em cujo âmbito algumas pretensas “nações-modelo” atribuem
a si mesmas “o privilégio exclusivo da formação do Estado”, negando-o aos
povos das colônias25; sim, “poucas nações eleitas” pretendem construir o próprio
“bem-estar” e estabelecer a própria primazia na pilhagem e no domínio do resto
da humanidade26. Ou seja, além da pilhagem econômica e da opressão política, o
imperialismo é também caracterizado pela hierarquização das nações. Os povos
explorados e oprimidos são, ao mesmo tempo, rotulados como incapazes de se
autogovernar e de se constituir como Estado nacional; a luta para livrar-se desse
estigma é uma grande luta pelo reconhecimento.
Mas naquela época a homenagem a Ho Chi Minh, a Mao ou a Castro, não
favorecia, de forma alguma, posições de distanciamento do niilismo nacional
absorvido na escola do marxismo ocidental. E nem mesmo Sartre era capaz de
opor resistência ao niilismo nacional, apesar de seu grande compromisso na luta
contra o colonialismo. Como esclarece um capítulo fundamental de Crítica da Razão
Dialética (Livro I, cap. C), o fi lósofo francês faz derivar os vários confl itos humanos,
em última análise, da “penúria” (rareté). O resultado dessa abordagem é avassalador.
Na medida em que parece determinar uma luta pela vida e pela morte, a condição
de penúria acaba, de alguma forma, justifi cando os responsáveis pela opressão. Eles
aparecem como os protagonistas de uma luta trágica pela sobrevivência que, no
presente se impõe de maneira fatal e, no futuro, pode ser eliminada apenas por um
extraordinário desenvolvimento das forças produtivas. No lado oposto, os oprimidos
aparecem movidos apenas pelo desejo de escapar das intoleráveis condições de
vida; mas, então, posto que a língua, a cultura, a identidade e a dignidade nacional
não desempenham nenhuma função, não se compreende a participação na luta
contra a opressão nacional por parte de camadas sociais que gozam de um padrão
de vida confortável ou de uma comodidade mais ou menos relevante. Como se vê,
a simpatia pelos “deserdados da terra” e a indignação pelos crimes do colonialismo
e do imperialismo na Argélia ou no Vietnã, embora meritórias, não garantem por si
só uma compreensão adequada da questão nacional.
A razão profunda dessa atitude contraditória será esclarecida, de maneira
exemplar, algumas décadas mais tarde por Hardt e Negri: “Da Índia à Argélia, de
24 Mao Tsé-tung, 1998, pp. 87-8.
25 Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação (maio de 1914), ver Lênin 1955-70, vol. XX, p. 416-7.
26 Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), In: Lênin 1955-70, vol. XXVI, p.
403.
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Cuba ao Vietnã, o Estado é a dádiva envenenada da libertação nacional”. É verdade,
os palestinos podem contar com a nossa simpatia; mas, a partir do momento em
que “forem institucionalizados”, não se pode mais estar do “lado deles”. O fato
é que “no momento em que a nação começa a se formar e se torna um Estado
soberano, suas funções progressistas desaparecem”27. Ou seja, pode-se ter simpatia
pelos vietnamitas, pelos palestinos ou por outros povos somente enquanto eles forem
oprimidos e humilhados; pode-se apoiar uma luta de libertação nacional apenas na
medida em que ela continua sendo derrotada! A derrota ou a incapacidade de um
movimento revolucionário são a premissa para que o rebelde possa autocelebrar-se
e deleitar-se como rebelde que recusa em qualquer circunstância contaminar-se com
o poder constituído!
É óbvio que os líderes dos povos em luta pela própria emancipação
argumentam de maneira totalmente diferente. Em setembro de 1949, às vésperas
da conquista do poder pelos comunistas, Mao chama a atenção para o desejo de
Washington de que a China “se reduza a viver com a farinha americana”, acabando
assim por “tornar-se uma colônia americana”28; a luta pelo desenvolvimento da
produção se confi gurava então como uma continuação da luta pela independência
nacional.
Na verdade, já o Manifesto do Partido Comunista afi rmara que o “proletário
usará seu poder político” e o controle dos meios de produção, em primeiro lugar,
“para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas” e,
em particular, para desenvolver as “novas indústrias”, que não têm mais uma
base nacional e cuja “introdução” é “uma questão de vida e de morte para todas
as nações civis” (MEW, IV, 481 e 466). E, contudo, o problema de caráter geral
sobre o qual Marx e Engels chamam a atenção adquire no Oriente uma urgência
toda particular. Depois de ter se livrado do jugo colonial, os países e os povos
recém-independentes estão comprometidos em consolidar a independência no plano
econômico: não querem mais depender da esmola ou do arbítrio de seus ex-patrões;
consideram essencial quebrar o monopólio que os países mais poderosos detêm
sobre a tecnologia mais avançada.
De fato, podemos ver no Vietnã uma orientação semelhante àquela já analisada
em relação a Mao. Em plena guerra pela independência e pela unidade nacional, o
então primeiro secretário do Partido dos Trabalhadores do Vietnã do Norte declara
que, depois da conquista do poder, a tarefa mais importante reside na “revolução
técnica”. Agora “são as forças produtivas que desempenham o papel decisivo”;
27 Hardt, Negri, 2002, pp. 133 e 112.
28 Mao Tsé-tung, 1969-75, vol. IV, p. 467 (A falência da concepção idealista da história, 16 de setembro
de 1949).
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trata-se portanto de empenhar-se com afi nco para “alcançar uma produtividade mais
elevada, estimulando a construção da economia e o desenvolvimento da produção”29.
Mas no Ocidente, justamente no momento em que se desenvolve com mais
intensidade o movimento de apoio à resistência vietnamita e a infl uência da China
se faz sentir com mais força, ressoam vozes muito diferentes no âmbito da esquerda
marxista. Na Itália, Mario Tronti publica um livro que tem logo um grande sucesso.
Eis uma de suas teses principais: a revolução socialista “suprime o trabalho. E
justamente assim elimina o domínio de classe. Supressão operária do trabalho e
destruição violenta do capital são, portanto, uma coisa só”30. Estamos em 1966, ano
em que na China eclode a Revolução Cultural. E é nesse momento que a comédia
de equívocos chega ao ápice.
A Revolução Cultural é lançada com uma palavra de ordem bem precisa:
“Fazer a revolução e estimular a produção”. Entre os marxistas ocidentais não são
raras as tomadas de posição concordantes ou entusiastas; a segunda parte desta
palavra de ordem, porém, acaba sendo esquecida. Entretanto, ainda em 1969, por
ocasião do IX Congresso do Partido Comunista Chinês, Lin Piao, herdeiro designado
por Mao naquele momento, afi rma:
“Justamente como foi ressaltado em Os 16 pontos [que três anos antes
haviam inaugurado a Revolução Cultural]: ‘A Grande Revolução Cultural
Proletária constitui uma poderosa força motriz para o desenvolvimento
das forças produtivas sociais no nosso país’, a produção agrícola no nosso
país obteve boas colheitas por vários anos consecutivos; apresenta-se também
uma situação vigorosa na produção industrial, na ciência e na tecnologia; o
entusiasmo das grandes massas trabalhadoras pela revolução e a produção
alcançou um nível sem precedentes; numerosas fábricas, minas e outras
empresas bateram continuamente recordes de produção, chegando assim a
um nível jamais visto na história e a revolução técnica está em contínuo
desenvolvimento [...] ‘Fazer a revolução e estimular a produção’ – este
princípio é absolutamente justo”31.
Lin Piao reafi rmava com insistência este ponto: “Devemos [...] fazer com
fi rmeza a revolução e estimular com vigor a produção, cumprindo e superando o
plano de desenvolvimento da economia nacional. É claro que a grande vitória da
Grande Revolução Cultural Proletária continuará alavancando novos saltos para
frente na economia e na nossa causa, para a edifi cação socialista em seu conjunto”.
29 Le Duan, 1969, pp. 61-3.
30 Tronti, 1966, p. 263.
31 Lin Piao, 1969, pp. 61-2.
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Aliás, uma das principais acusações contra o presidente deposto da República
Popular Chinesa, Liu Shao-chi, era “a teoria dos passos de lesma”, ou seja, a
incompreensão de que a Revolução Cultural teria prodigiosamente acelerado o
desenvolvimento das forças produtivas e levado o país, em curto espaço de tempo,
ao nível dos países capitalistas mais avançados32. Não por acaso, a Revolução
Cultural retomava e relançava o Grande Salto para a Frente de 1958 mediante o
qual a China esperava queimar as etapas para alcançar os países capitalistas mais
avançados.
Não se deve esquecer que já, em 1937, em seu ensaio Sobre a Prática,
retomando um tema do Manifesto do Partido Comunista, Mao sublinhara
a centralidade da “atividade produtiva material” e do desenvolvimento das
forças produtivas para o aumento não apenas da riqueza social, mas também do
“conhecimento humano”: sim, “a produção em escala reduzida limitava o horizonte
dos homens”; e é em virtude dessa sua função pedagógica que a atividade produtiva
material não está destinada a desaparecer nem mesmo “na sociedade sem classes”,
no comunismo33. Mas no Ocidente, a celebração de Mao podia conjugar-se bem
com a espera do fi m do trabalho; muitas vezes citava-se o ensaio Sobre a Prática,
para remeter, porém, só à luta de classes, removendo seja a luta pela produção, seja
a luta pela experimentação científi ca.
No marxismo ocidental, a divisão populista em duas partes da principal
palavra de ordem lançada pela Revolução Cultural, corresponde à divisão do
pensamento de Mao. Ele se sentia fortemente empenhado na eliminação de dois tipos
de desigualdade: a que vigorava dentro do povo chinês mas também, e talvez mais
ainda, a que separava a China dos países mais avançados. Acelerando poderosamente
o desenvolvimento das forças produtivas, a superação da primeira contradição
tornaria possível a superação também da segunda; dessa forma, a nação chinesa se
levantaria de modo estável e defi nitivo, a longa luta pelo reconhecimento da China
tornada necessária pela opressão e pela humilhação impostas pelo imperialismo seria
coroada de um sucesso total.
No Ocidente, contudo, a Revolução Cultural, o pensamento e a obra de
Mao, a Revolução Chinesa em sem conjunto acabava sendo reduzida a um único
slogan: “Rebelar-se é justo”. O grande revolucionário, já dividido no sentido que
conhecemos, era submetido ainda a uma leitura anarcóide. Derrotado a duras penas
na época da Segunda Internacional, o anarquismo obtém uma clamorosa revanche
no movimento de 1968.
32 Lin Piao, 1969, pp. 64-5 e 48-9.
33 Mao Tsé-tung, 1969-75, vol. I, pp. 313-4.
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5. De Foucault a Negri: a progressiva transfiguração do Império
Nesse clima espiritual e político, a cultura de orientação marxista começa
a ser seduzida e subvertida por autores e correntes de pensamento que deveriam,
no entanto, ter sido vistos com um certo distanciamento crítico. Apoiado desde
o início por Althusser34, Foucault irrompe fortemente com sua análise da difusão
ou da onipresença do poder não só nas instituições e nas relações sociais, mas
também no dispositivo conceitual. É um discurso que fascina por seu radicalismo
e, além disso, permite um acerto de contas com o poder e a ideocracia que estão
na base do “socialismo real”, cuja crise se manifesta cada vez mais nitidamente.
Na realidade, o radicalismo não é só aparente mas se transforma em seu contrário.
A atitude que condena toda relação de poder, aliás, toda forma de poder, tanto no
âmbito da sociedade, como no âmbito do discurso sobre a sociedade, torna muito
problemática, ou impossível, a “negação determinada” (bestimmte Negation), aquela
negação de um “conteúdo determinado” que, hegelianamente, é o pressuposto de
uma transformação real da sociedade, o pressuposto da revolução35. Além disso,
esse esforço de individuação e desmistificação do domínio em todas as suas formas
manifesta lacunas surpreendentes, justamente onde o domínio se manifesta em
toda a sua brutalidade: a atenção reservada ao domino colonial é muito escassa ou
inexistente.
Pierre Boulez, amigo de Foucault, participa do protesto promovido por Sartre
contra o massacre dos argelinos em Paris. Foucault parece não aderir. De maneira
geral, ele não parece desempenhar nenhum papel na luta contra a tortura e a cruel
repressão com que o poder procura debelar a luta pela libertação nacional. Foi
justamente observado, a respeito de Foucault, que “sua crítica do poder continua
olhando para a Europa”36. Mas é possível ir além: o colonialismo e a ideologia
colonial estão amplamente ausentes na história do mundo moderno e contemporâneo
reconstruída pelo filósofo francês. A julgar por essa história, o “surgimento do
racismo de Estado [deve ser colocado] no início do século XX”37, enquanto é o
advento do Terceiro Reich que marca o “aparecimento de um Estado absolutamente
racista”38. Essa periodização foi posta em dúvida com muita antecedência pelos
abolicionistas que, no século XIX, queimavam em praça pública a Constituição
americana, tachada de ser um pacto com o diabo por consagrar a escravidão racial;
ou aqueles abolicionistas que recriminavam a lei sobre os escravos fugitivos de 1850
34 In: Althusser, Balibar, 1968, p. 27.
35 Hegel, 1969-79, vol. V, p. 49.
36 Taureck, 2004, pp.40 e 116.
37 Foucault, 1990, p. 52.
38 Foucault, 1990, p. 169.
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por ela obrigar todo cidadão estadunidense “a se tornar um caçador de homens”: era
passível de punição não só quem tentasse esconder ou ajudar o negro perseguido
pelos seus legítimos proprietários, mas também quem não colaborasse para a sua
captura39. Como justifi cativa parcial de Foucault, poder-se-ia dizer que ele ignora
esse capítulo da história; mas, pelo menos, ele poderia ter lido o comentário de Marx
sobre a Fugitive Slave Law: “Exercer a função de caçador de escravos por conta
dos proprietários sulistas de escravos parecia ser a tarefa constitucional do Norte”
(MEW, XV, 333). Em todo caso, não estamos diante de um racismo que se manifesta
apenas no âmbito da sociedade civil: o que decide a colocação social e o destino de
um indivíduo, na base de normas jurídicas e constitucionais explícitas, é sua pertença
racial. A realidade do Estado racial surge com mais clareza nos Estados Unidos antes
da Guerra de Secessão do que no Terceiro Reich: segundo as leis de Nuremberg, o
que defi nia o judeu era também a pertença à religião judaica deste ou daquele seu
antepassado, enquanto nos EUA a religião não exercia nenhuma função na defi nição
do negro. O sangue decidia tudo: one drop rule. Hitler não possuía escravos (nem
negros, nem judeus), enquanto nas primeiras décadas de história da república norteamericana
quase todos os presidentes são proprietários de escravos (negros).
Se não na história dos Estados Unidos, Foucault poderia ter se concentrado
na história da Confederação Secessionista ou da África do Sul, ou poderia ter
manifestado uma consideração de caráter global: se analisarmos os países capitalistas
juntamente com as colônias que eles possuíam, podemos perceber facilmente que
o fenômeno denunciado por Ho Chi Minh em relação à Indochina tem um caráter
geral: estamos diante de uma dupla legislação, uma para a raça dos conquistadores,
outra para a raça dos conquistados. Nesse sentido, o Estado racial segue como
uma sombra a história do colonialismo em seu conjunto; só que esse fenômeno
se apresenta com mais evidência nos Estados Unidos por causa da contiguidade
espacial em que vivem diferentes raças. Mas Foucault não dedica nenhuma atenção
à história dos povos coloniais ou de origem colonial.
A história da ideologia racial traçada pelo fi lósofo francês também faz pensar.
Assim, “na metade do século XIX”, em contraposição à tradição da Escola dos Anais
empenhada em consagrar a soberania, afi rma-se um discurso completamente novo,
antiautoritário e revolucionário, que decompõe a sociedade em raças (ou classes) em
luta e introduz “um princípio de heterogeneidade: a história de uns não é a história
de outros”40. Entretanto, algum tempo depois, verifi ca-se uma reviravolta: “a ideia de
raça, com tudo aquilo que ela implica ao mesmo tempo em termos monista, estatal e
biológico, substituirá a ideia de luta de raças”. Trata-se de uma verdadeira inversão:
“O racismo representa, literalmente, o discurso revolucionário, mas o representa pelo
39 Cf. Losurdo, 2005a, cap. IV, 2.
40 Foucault, 1990, pp. 62 e 56.
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avesso”. Permanece o fato que “a raiz da qual se parte é a mesma”41. Desse quadro
desapareceram “literalmente” os processos seculares de racização e desumanização
que acometem os povos coloniais, assim como as grandes lutas pelo reconhecimento
a começar daquela que, com a radicalização da Revolução Francesa, leva à abolição
da escravidão nas colônias.
Enfi m, Foucault acredita poder afi rmar que “a grande ritualização pública da
morte desapareceu [...] a partir do fi nal do século XIX”42. Na realidade, ainda nas
primeiras décadas do século XX, nos EUA da white supremacy, o linchamento dos
negros é organizado como espetáculo de massa, anunciado pela imprensa local, a
que são chamados a assistir e participar também mulheres e crianças e que termina
com a distribuição de lembrancinhas do rito sacrifi cal.
As remoções macroscópicas aqui evidenciadas produzem resultados muito
signifi cativos também no plano político. No momento que em Foucault ministra o
seu curso no Collège de France aqui analisado – estamos em 1976 – ainda vigora
o regime de apartheid da África do Sul racista. Por outro lado, cerca de dez anos
antes, Hanna Arendt chamara a atenção sobre a proibição que, em Israel, ainda
atingia os casamentos interraciais e sobre outras normas de inspiração análoga, em
paradoxal analogia com as “infames leis de Nuremberg de 1935”43. Mas, quando o
autor francês começa a procurar outra realidade para comparar ao Terceiro Reich em
termos de “racismo de Estado”, ele consegue identifi cá-la apenas na União Soviética,
país que desde sua fundação tivera um papel decisivo na promoção da emancipação
dos povos coloniais e que, ainda em 1976, estava em primeiro plano na denúncia
da política antinegra e antiárabe conduzida, respectivamente, pela África do Sul e
por Israel!
Foi observado que Foucault exerce uma influencia considerável sobre
Antonio Negri. Com efeito... Hoje em dia, importantes autores norte-americanos
de orientação liberal descrevem a história de seu país como a história de uma
Herrenvolk democracy, ou seja, de uma democracia que vale apenas para o
Herrenvolk (é signifi cativo o recurso de linguagem caro a Hitler), para os “povos
dos senhores” e que, por outro lado, não hesita em escravizar negros e exterminar
os peles-vermelhas da face da terra. Empire, no entanto, fala em tom compungido
de uma “democracia americana” que rompe com a visão “transcendente” do poder,
típica da tradição europeia44. A apologia, porém, não para aqui. Tomemos uma fi gura
central da história do imperialismo americano, ou seja, Wilson. No momento em
que ele começa sua carreira política, o Sul, de onde provém, assiste a irrupção dos
41 Foucault, 1990, p. 63.
42 Foucault, 1990, p. 160.
43 Arendt, 1993, pp. 15-6.
44 Hardt, Negri, 2002. p. 158.
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esquadrões do Ku Klux Klan contra os negros. Mas o futuro presidente toma a
palavra, com um artigo do Atlantic Monthly de janeiro de 1901, para pronunciar
um libelo contra as vítimas: os “negros” são “excitados por uma liberdade que não
compreendem”, são “insolentes e agressivos, preguiçosos e ávidos de prazeres”!
Em todo caso, a “emancipação repentina e absoluta dos negros” foi uma catástrofe:
causou uma situação “muito perigosa”, que a “as assembleias legislativas do Sul”
(isto é, os brancos) são obrigadas a enfrentar com “medidas extraordinárias” (os
linchamentos e o terror)45.
Wilson permanecerá sempre fi el a essa plataforma ideológica e política,
em conformidade com a white supremacy no plano interno e internacional. Nesse
mesmo contexto pode ser colocado o grande bastão agitado e usado contra a
América Latina. Não se deve esquecer que as próprias relações com os aliados
europeus, muitas vezes, são caracterizadas por uma rude Realpolitik. Não é por
acaso que desde jovem Wilson sente a atração de Bismarck46. Tudo isso não impede
o presidente norte-americano de intervir na Primeira Guerra Mundial em nome da
missão democrática universal dos Estados Unidos: é uma “guerra santa, a mais santa
de todas as guerras”, um “empreendimento transcendente”, do qual são protagonistas
os “cruzados” protagonistas americanos. Esse entrelaçamento singular da Realpolitik
e da ideia religiosa de missão selada por uma relação privilegiada e direta com o
Senhor, provoca a pungente ironia de Freud47. Mas esse entrelaçamento torna mais
fácil o recurso ao punho de ferro contra a oposição pacifi sta. É uma repressão bem
mais dura do que aquela desencadeada no mesmo período na Alemanha guilhermina
e que, não por acaso, provoca a admiração de Mussolini, que está percorrendo a
passos largos o caminho que o conduzirá ao movimento esquadrista e ao fascismo48.
Agora, porém, leiamos Negri (e Hardt): o que caracteriza Wilson é “uma ideologia
pacifi sta internacionalista”, bem distante da “ideologia imperialista tipicamente
europeia”49! Desde sempre, os ideólogos do Manifest Destiny insistem no primado
moral e político dos Estados Unidos, na exceção, ou melhor, no “excepcionalismo”
representado por um país, que é a única ilha de liberdade num imenso oceano de
despotismo: Empire não argumenta de maneira diferente.
A essa altura proponho uma espécie de exercício intelectual ou, se quisermos,
de jogo. Confrontemos dois trechos de dois autores sensivelmente diferentes entre si,
mas ambos empenhados em contrapor positivamente os Estados Unidos à Europa.
O primeiro celebra a “experiência americana”, ressaltando “a diferença entre uma
45 In: Logan, 1997 p. 378.
46 Heckscher, 1991, pp. 44 e 298.
47 Losurdo, 2007, cap. VI, 11 e cap. II, 1.
48 Losurdo, 1993, cap. 5, 2 e 7.
49 Hardt, Negri, 2002, pp. 166-7.
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nação concebida na liberdade e devota ao princípio segundo o qual todos os homens
foram criados iguais e as nações do velho continente, que certamente não foram
concebidas na liberdade”50.
Vejamos agora o que diz o segundo:
O que era a democracia americana senão uma democracia fundada no êxodo,
em valores afirmativos e não dialéticos, no pluralismo e a liberdade? Esses
mesmos valores – juntamente com a ideia da nova fronteira – não alimentavam
continuamente o movimento expansivo do seu fundamento democrático para
além das abstrações da nação, da etnia e da religião? [...] Quando Hannah Arendt
escrevia que a Revolução Americana era superior à Revolução Francesa, pois a
Revolução Americana devia ser entendida como uma busca sem fi m da liberdade
política, enquanto que a Revolução Francesa havia sido uma luta limitada em
torno da escassez e da desigualdade, ela exaltava um ideal de liberdade que os
europeus tinham perdido, mas que reterritorializavam nos Estados Unidos”51.
Qual dos dois trechos aqui citados é mais apologético? É difícil dizer,
embora o segundo pareça mais inspirado e lírico: ele foi escrito por Negri (e Hardt),
enquanto o primeiro é de Leo Strauss, o autor de referência dos neoconservadores
americanos! Vem à mente a observação de Marx a respeito de Bakunin que, com
todo seu radicalismo anti-estatalista, acaba poupando a Inglaterra, “o Estado
propriamente capitalista”, aquele que constitui “a ponta de lança da sociedade
burguesa na Europa.” (MEW, XVIII, 610 e 608). O anarquismo dos nossos dias
vai além, poupando o país que, aos olhos de uma grande e crescente opinião
pública mundial, é sinônimo não só de capitalismo, mas também de militarismo e
imperialismo. É um país que, aos olhos de eminentes historiadores norte-americanos
de orientação liberal, encarna um “excepcionalismo” bem diferente daquele
imaginado por Strauss, Negri e Hardt: “Só nos Estados Unidos houve uma ligação
estável e direta entre propriedade em escravos e poder político. Só nos EUA os
proprietários de escravos tiveram um papel decisivo para fundar uma nação e criar
instituições representativas”52.
Sartre denunciava, na sua época, “aquele monstro supereuropeu, a América do
Norte”53. Agora, porém, Empire não só contrapõe positivamente os Estados Unidos
à Europa, mas subscreve, ainda, a tese de Arendt sobre a nítida superioridade da
Revolução Americana em relação à Revolução Francesa: é evidente que nesse
50 Strauss, 1998, pp. 43-4.
51 Hardt, Negri, 2002, pp. 352-3.
52 Davis, 1982, p. 33.
53 Sartre, 1967, p. XXII.
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confronto em preto e branco a deportação e a dizimação dos peles-vermelhas e a
escravidão dos negros, desenvolvida vigorosamente pela primeira e abolida pela
segunda, não exercem nenhum papel. Negri e Hardt não se deixam impressionar
pelo fato que, junto com o jacobinismo, Arendt arrasta também Marx para o banco
dos réus, o autor da “doutrina politicamente mais prejudicial da Idade Moderna”, o
responsável por “uma verdadeira capitulação da liberdade diante da necessidade”:
nisso ele deixou-se influenciar por “seu mestre de revolução, Robespierre”
e influenciou, de forma ruinosa, por sua vez, “seu maior discípulo, Lênin”54.
Portanto, juntamente com a condenação sem atenuantes das duas Revoluções que
puseram em discussão o sistema mundial da escravidão e da opressão colonial,
Negri e Hardt subescrevem a liquidação do filósofo que, ao condenar a escravidão
assalariada praticada na metrópole, remete, às vezes de modo explícito, outras
de modo implícito, à escravidão propriamente dita que subsiste nas colônias. É a
autodissolução do “marxismo ocidental”.
6. “Marxismo ocidental”, “marxismo oriental”
A essa altura, é oportuno examinar de novo a distinção-contraposição
formulada por Perry Anderson, à época, entre “marxismo ocidental” e “marxismo
oriental”55. Primeiramente, convém analisar as condições históricas diferentes em que
um e outro viveram e operaram. Partiremos de 1917. Se no Ocidente prevalece, em
primeiro lugar, a denúncia das consequências nefastas (a carnifi cina e o afundamento
da democracia) provocadas pela competição e pela guerra interimperialista, no
Oriente, ao contrário, a Revolução de Outubro tem uma repercussão extraordinária
graças ao apelo aos “escravos das colônias” para quebrar as correntes da opressão e
da humilhação nacional. Se no Ocidente o Estado-nação era o Moloc sanguinário que
sacrifi cava milhões de homens à sede de domínio e aos interesses do grande capital,
no Oriente era o objetivo a ser alcançado para livrar-se do jugo colonial e acabar com
as práticas escravagistas e genocidas realizadas pelas grandes potências capitalistas
contra os bárbaros. Nas duas áreas em que o mundo estava dividido, o imperalismo
era percebido de modo diferente; não há contradição, e sim plena convergência entre
esses dois aspectos. Entretanto, o marxismo ocidental e o marxismo oriental nunca
se encontraram? Será que o primeiro nunca compreendeu realmente o segundo?
É preciso fazer uma ulterior consideração. A partir do momento em que se
esboçam as primeiras difi culdades e tragédias do regime nascido da Revolução
54 Arendt, 1983, pp. 65-6.
55 Anderson, 1997.
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de Outubro mas sobretudo a partir do momento em que se evidencia a crise do
“socialismo real”, a divergência entre marxistas orientais e marxistas ocidentais
assistiu à contraposição entre marxistas que, de um lado, exercem o poder e
marxistas que, de outro, estão na oposição e se concentram cada vez mais na “teoria
crítica”, na “desconstrução”, aliás, na denúncia do poder e das relações de poder
como tais. Está aqui precisamente o ato de nascimento do “marxismo ocidental”,
o qual, distanciando-se progressivamente do poder, julga identifi car a condição
privilegiada para redescobrir o marxismo “autêntico”, não mais reduzido à ideologia
de Estado.
Contudo, esta autoconsciência orgulhosa e, talvez, arrogante, possui um
fundamento real? Há o outro lado da moeda, muitas vezes esquecido. Poder-se-ia
dizer que o marxismo oriental encontrou-se numa situação mais favorável para
compreender e assimilar uma tese essencial de Marx:
“A profunda hipocrisia, a intrínseca barbárie da civilização burguesa estão diante
de nós sem véus, não apenas nas grandes metrópoles, onde elas assumem formas
respeitáveis, mas voltemo os olhos às colônias, onde perambulam nuas”. (MEW,
IX, 225).
O marxismo ocidental, no entanto, concentrou-se quase exclusivamente
nas “formas respeitáveis” do domínio burguês e capitalista. Após perder de
vista a sorte que, em primeiro lugar, estava reservada aos povos coloniais e de
origem colonial, a crítica do “socialismo real”, embora absolutamente necessária,
desembocou numa banal apologética liberal e numa liquidação indiferenciada
da história do comunismo do século XX. Esclarecedora é a parábola de Colletti,
discípulo de Della Volpe. Mas não menos signifi cativa é a atitude de dois autores
que continuam sendo uma referência para a esquerda. Falando da União Soviética
de Stalin (e implicitamente de todos os países, que tiveram de curvar-se à lógica
do “socialismo num só país”), Hardt e Negri escrevem: “É uma trágica ironia do
destino que, na Europa, o socialismo nacionalista acabasse por assemelhar-se ao
nacionalsocialismo [...]. A máquina abstrata da soberania constituía o centro de
ambos os sistemas”56. Nesse balanço histórico temerário, os povos em condições
coloniais ou semicoloniais continuam sem desempenhar nenhum papel. Dois
países são tranquilamente comparados e assimilados, dos quais o primeiro deu
um forte impulso ao processo de descolonização, e o segundo se propôs herdar e
radicalizar a tradição colonial, chegando ao ponto de considerá-la atual na própria
Europa oriental.
56 Hardt, Negri, 2002, p. 115.
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Se, por outro lado, considerarmos o mundo colonial, o balanço histórico do
século XX é bem diferente daquele tão caro à ideologia dominante (e, hoje, até
mesmo para os sobreviventes do “marxismo ocidental”). Mesmo concentrando a
atenção exclusivamente na “democracia formal”, ou seja, no governo da lei e nas
liberdades clássicas da tradição liberal, podemos dizer que as sociedades nascidas
do Outubro Revolucionário se fecharam sobre si mesmas e acabaram anulando toda
forma de democracia; portanto, ao mesmo tempo, elas estimularam a demanda por
democracia e emancipação, por reconhecimento, as demandas provenientes dos
países coloniais ou dos países colocados na periferia da metrópole capitalista. Neste
segundo caso, foi justamente a metrópole democrático-burguesa que sufocou no
sangue as reivindicações democráticas.
A infl uência positiva da União Soviética e do “campo socialista” pode ser
constatada também no que diz respeito a uma população de origem colonial colocada
no próprio coração da metrópole capitalista. Refi ro-me aos afro-americanos. Eles são
oprimidos por um regime da white supremacy terrorista no momento em que eclode
a Revolução de Outubro. Mas é a partir dela que se percebe uma nova inquietação
entre os negros que, sem se deixar intimidar pela caça às bruxas, declaram: “Se lutar
pelos próprios direitos signifi ca ser bolchevista, pois bem, nós somos bolchevistas e
os outros devem se resignar”57. Façamos um salto de quinze anos. É o período mais
trágico na história da União Soviética. Imposta fundamentalmente do alto e de fora, a
coletivização da agricultura difundiu o gulag em larga escala, enquanto no horizonte
vislumbra-se o Grande Terror. É interessante ver, contudo, de que maneira continua
sendo recebido pelos afro-americanos o país nascido da Revolução de Outubro. Eles,
graças à ação do Partido Comunista dos Estados Unidos, começam a receber aquilo
que o regime de supremacia branca obstinadamente lhes negava: uma cultura que ia
além da instrução elementar, tradicionalmente dada àqueles que estavam destinados
a fornecer trabalho semisservil a serviço da raça dos senhores. Agora, porém, nas
escolas organizadas pelo Partido Comunista no Norte dos EUA ou nas escolas de
Moscou, os negros se empenham no estudo da economia, da política e da história
mundial; questionam essas disciplinas para compreender as razões do destino
cruel a eles reservado num país que se vangloria, no entanto, de ser o campeão da
liberdade. Ocorre uma mudança profunda naqueles que frequentam essas escolas:
a “impudência” que lhes é recriminada pelo regime da white supremacy é, na
realidade, a autoestima até aquele momento cerceada e esmagada . Uma mulher
negra, delegada no Congresso Internacional das Mulheres contra a Guerra e o
Fascismo, realizado em Paris em 1934, fi cou profundamente impressionada pelas
relações de igualdade e fraternidade, apesar das diferenças de língua e de raça, que
57 Franklin, 1983, p. 398.
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se instauram entre as participantes desta iniciativa promovida pelos comunistas.
“Era o paraíso na terra”. Aqueles que chegam em Moscou – observa um historiador
estadunidense contemporâneo – “experimentam um sentido de liberdade inaudito
no Sul” dos EUA. Um negro se apaixona por uma mulher branca soviética e casase
com ela, ainda que mais tarde, ao voltar para a pátria, não pode trazê-la consigo,
conhecendo bem o destino que no Sul aguarda os que se mancham com a culpa da
miscegenation e com o abastardamento racial58. Contudo, mesmo onde grassa o
regime da white supremacy, percebe-se um clima novo: olha-se com esperança para
a União Soviética e para Stalin como o “novo Lincoln”, o Lincoln que acabaria desta
vez, de maneira defi nitiva, com a escravidão dos negros, a opressão, a degradação,
a humilhação, a violência e os linchamentos que continuavam sofrendo59.
Essas esperanças não foram totalmente frustradas. Pensemos no período e nas
modalidades que caracterizam o fi m do regime de supremacia branca. Em dezembro
de 1952, o Ministro da Justiça norte-americano envia uma carta eloquente à Suprema
Corte, empenhada em discutir a questão da integração nas escolas públicas: “A
discriminação racial alimenta a propaganda comunista e suscita dúvidas também
entre as nações amigas sobre a intensidade da nossa devoção à fé democrática”.
Washington – observa o historiador norte-americano que em nossos dias reconstrói
esse acontecimento – corria o risco de se tornar inimigo das “raças de cor” não
só no Oriente e no Terceiro Mundo mas no próprio coração dos Estados Unidos:
aqui também a propaganda comunista conseguia um sucesso considerável na sua
tentativa de ganhar os negros para a “causa revolucionária” abalando-lhes a “fé
nas instituições americanas”60. Não há dúvida: nesse caso teve papel decisivo a
preocupação com o desafi o representado objetivamente pela URSS de Stalin e pela
infl uência exercida por ela sobre povos coloniais e de origem colonial.
Vimos que, ao contrário de grande parte do marxismo ocidental, o “marxismo
oriental” soube focalizar bem a barbárie colonial do capitalismo. Mas não se trata
só disso. Lembremos que Lênin subscreve e considera “magnífi ca” a “fórmula” da
Lógica hegeliana segundo a qual o universal deve ser de forma tal que contenha em
si “a riqueza do particular”61. É em homenagem a esse enfoque que personalidades
como Lênin, Ho Chi Min, Mao, Castro etc. nunca puseram em contradição
patriotismo e internacionalismo, aliás, sempre enxergaram na luta de libertação
das nações oprimidas um momento essencial da marcha do internacionalismo e
do universalismo, daquilo que Gramsci defi ne como “humanismo integral”. Não
é assim porém no marxismo ocidental. Por um lado – pensemos sobretudo em
58 Kelley, 1990, pp. 94-6.
59 Kelley, 1990, p. 100.
60 Cf. Losurdo, 2005a, cap. X, 6.
61 Lênin, 1969, p. 89.
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Althusser – as categorias de humanidade, povo e nação foram vistas com suspeita,
como traição da luta de classes. Trata-se de uma atitude de purismo supersticioso,
que esquece como as categorias de socialismo, revolução e classe operária podem
ser submetidas em sentido conservador e até mesmo reacionário (como no caso da
National-sozialistische deutsche Arbeiterpartei de funesta e hitleriana memória). Em
todo caso, as preocupações de Althusser podem ser respondidas com uma penetrante
observação de Mao: “Em última análise, a luta nacional é uma questão de luta de
classes”62.
Por outro lado – pense-se sobretudo em Adorno e atualmente em Negri
difundiu-se o desprezo para as lutas de libertação nacional, postas em contradição
com o internacionalismo e o universalismo. Não por acaso, hoje em dia, é grande o
desprezo que os sobreviventes do marxismo ocidental ostentam pelos esforços que
países como a China e o Vietnã fazem para consolidar a independência, também
no plano econômico, de modo a poder dar – declara Deng Xiaoping em 1987 –
“uma contribuição real à humanidade”63. De um lado ou de outro, devido à visão
reducionista da luta de classes ou da visão abstrata do universal, o marxismo
ocidental, em geral, não conseguiu entender a unidade entre universal e particular.
Esse apego a uma visão abstrata e pura do universal, se de um lado impediu
uma adequada compreensão dos movimentos de libertação nacional (que continuam
a se desenvolver também depois da conquista o poder), de outro tornou impossível
a compreensão de um motivo de fundo da crise do “campo socialista”. A ruptura
entre URSS e Iugoslávia em 1948, e depois a invasão soviética da Hungria e da
Tchecoslováquia, os confl itos intensos, as quase-guerras ou as guerras propriamente
ditas que surgem entre URSS e China, China e Vietnã e Vietnã e Camboja, tudo
isso revela como é difícil a necessária obra de conciliação do internacionalismo
(o universal) com o respeito dos interesses, das identidades, das sensibilidades
nacionais (o particular). O Partido Comunista Chinês64 mencionou esse problema
algumas vezes em seus melhores momentos; quanto ao marxismo ocidental, este
quase sempre leu esses conflitos de modo estereotipado como choques entre
despotismo estalinista e espírito libertário, entre burocracia e massas, ou entre
coerência revolucionária de um lado e oportunismo ou revisionismo de outro, ou
ainda, de modo mais apressado, como demonstração do estranhamento substancial
de ambas as partes em luta pelo “autêntico” socialismo e marxismo.
Por fi m, o marxismo ocidental desfrutou de sua distância do poder como
uma condição privilegiada ou exclusiva para o desenvolvimento das potencialidades
críticas da teoria de Marx. Mas se por um lado a distância do poder e o desdém
62 Mao Tsé-tung, 1998, pp. 379.
63 Deng Xiaoping, 1994, p. 222.
64 Losurdo 2005b, cap. V, 2.
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diante do poder podem ofuscar a lucidez do olhar, por outro podem turvar a visão,
tornando mais difícil a compreensão dos confl itos mundiais, favorecendo uma
atitude idealista e, em última análise, a fuga da história. Só assim pode-se explicar a
tese de Bloch segundo a qual a revolução burguesa “limitou a igualdade à igualdade
política”. Mesmo querendo ocupar-se exclusivamente da metrópole ocidental, tratase
de uma afi rmação historicamente insustentável: basta pensar na longa duração da
discriminação censitária e sexual.
No conjunto, com o passar dos anos, o marxismo ocidental acabou
involuntariamente representando duas fi guras fundamentais da fi losofi a hegeliana: na
medida em que se satisfaz com a crítica e, aliás, encontra sua razão de ser na crítica,
sem pôr-se o problema de formular alternativas possíveis e de construir um bloco
histórico alternativo àquele dominante, ele é a ilustração da sabichonice do dever ser;
quando, pois, desfruta da distância do poder como uma condição da própria pureza,
ele encarna a bela alma. Talvez não seja por acaso que hoje tenha tanto sucesso no
ambiente de esquerda um livro, que desde o título convida a mudar o mundo sem
tomar o poder65. A autodissolução do marxismo ocidental se confi gura aqui como o
abandono do terreno da política e o desembarque na religião.

HOW THE “OCCIDENTAL MARXISMWAS BORN AND DIED
ABSTRACT: For a long time the “occidental Marxism” celebrated its superiority
over the Marxism established in countries located in the Orient, to where the
socialism was related. Due to this arrogante attitude, the occidental Marxism has
never endeavored to rethink Marx’s theory upon a concrete historical summary: what
was the role of the State and Nation in these countries and in the “socialist fi eld”?
How to promote the democracy and the human rights and how to estimulate the
development of the productive forces and people’s welfare within a situation featured
by the capitalist interdiction? Instead of opposing to those diffi cult questions, the
occidental Marxism preferred to remain at a comfortable and self-consolating
attitude, cultivating their particular utopias and rejecting, as a contamination,
the contact to and the refl ection about the reality. As a result, it was derived a
progressive capitulation to the dominat ideology. At last, the occidental Marxism
self-celebration came out to its self-dissolution.

KEYWORDS: Occidental Marxism. Socialist fi eld. Historical summary lack. Selfdissolution.
65 Halloway, 2004.
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