03 dezembro, 1995

A fenomenologia do poder: Marx, Engels, Tocqueville

A fenomenologia do poder: Marx, Engels, Tocqueville*


Domenico Losurdo
Professor de Filosofia da Universidade de Urbino, Itália. Entre outros livros, é autor de Democrazia o Bonapartismo. Trionfo e Decadenza dei Suffragio Universale (Turim, Bollati Boringhieri, 1993)


Tocqueville e Engels visitam a Inglaterra a poucos anos de distância um do outro. Por que, analisando a mesma sociedade no mesmo arco de tempo e submetendo à investigação científica o mesmo objeto, chegam a conclusões diversas e contrapostas? A liberdade em vigor no país que naquele momento encontrava-se na vanguarda do desenvolvimento capitalista é meramente "formal", em nada incidindo sobre as condições concretas de vida: apressam-se de um modo geral a precisar e minimizar os seguidores do "marxismo". A liberdade verdadeira é a liberdade negativa, ou a inviolabilidade da esfera privada: rebatem do campo oposto Isaiah Berlin e outros teóricos liberais. Para além da diversidade de linguagem e à parte, obviamente, do diverso e contraposto juízo de valor, a resposta dada à pergunta inicial é fundamentalmente a mesma: definindo a diferença entre os dois autores do Manifesto do Partido Comunista e a tradição liberal estaria a proeminência atribuída pelos primeiros à liberdade positiva, à participação no poder político ou ao gozo dos bens materiais por parte das classes subalternas. Desse modo, o contraste vem a ser definido em termos políticos imediatos. Pior, não se tornando ulteriormente dedutível em termos lógicos ou filosóficos, a preferência por esta ou aquela espécie de liberdade acaba sendo remetida a características sociológicas ou antropológicas. Irremediavelmente "burgueses", os teóricos da liberdade negativa se revelam como adversários, sendo acusados por seus opositores de incurável superficialidade, dada sua incapacidade para tomar a um ideal sublime na sua imaculada pureza: "quem na liberdade procura alguma outra coisa é feito para servir"1. E dado que, notoriamente, de gustibus non est disputandum, o confronto entre as duas tradições de pensamento parece dever ficar por aqui.
Para sair deste círculo vicioso, procuremos dar ênfase ao plano propriamente epistemológico, deixando por um momento entre parênteses, na medida do possível, as diversas e contrapostas opções políticas e sociais que estão efetivamente em jogo. O convite a que nos movamos nesse sentido já provém de certo modo de Marx, o qual usa a expressão "democracia burguesa"2, mas parece usá-la — é necessário acrescentar rapidamente — como sinônimo de "democracia vulgar" . Passemos a pensar então na "economia vulgar"3, circunscrita ao nível mais superficial da realidade, a esfera da circulação. Esta última "se apresenta (erscheint) como uma enorme coleção de mercadorias"4 e é, ou era, de fato {war in der Tat) — ironiza Marx no Capital — "o verdadeiro Éden dos direitos naturais inatos. Aquilo que domina (herrscht) de modo incontestado é liberdade, igualdade, propriedade e Bentham". O quadro muda dramaticamente se da esfera da circulação passamos à esfera da produção. Não somente não há mais lugar para a igualdade entre vendedores e compradores da força de trabalho, mas se assiste a uma sorte de jogo de cena: "o antigo possuidor de dinheiro segue adiante como capitalista, o possuidor de força de trabalho o segue como seu trabalhador; um sorridente, seguro de si e imerso nos seus afazeres, o outro tímido, arredio, como qualquer um que haja levado ao mercado a sua própria pele e não tenha nada a esperar se não o... curtume"5. É na esfera da produção, na fábrica — assinala já o Manifesto do Partido Comunista — que se pode tocar com a mão o "despotismo": os operários são "organizados militarmente" e, "como simples soldados da indústria... submetidos à vigilância de toda uma hierarquia de suboficiais e de oficiais"6. É uma análise que nos leva à presença de duas esferas da realidade, uma mais profunda, a outra com certeza mais superficial embora não redutível a um puro nada. Os excertos do Capital citados acima tornam mais claro que o Erscheinen é ele mesmo um Sein, sobretudo se a passagem da esfera da circulação àquela da produção é aqui esmiuçada pela passagem do tempo presente ao passado —, uma forma verbal que está contudo significando não a irrealidade, mas sim o caráter parcial e subordinado de tal aspecto da realidade social; como é ulteriormente confirmado pelo fato de que, logo depois, o domínio dos "direitos naturais inatos" na esfera da circulação volta a ser conjugado no indicativo presente. Marx é um leitor por demais atento e participante da Wissenschaft der Logik hegeliana para não conhecer e não compartilhar de alguma maneira a tese segundo a qual até mesmo a simples "aparência" {Schein) exprime um nível, ainda que ínfimo, da realidade7. Também as categorias mais banais e enganosas da economia política presa à "superfície da sociedade burguesa", também as "expressões imaginárias derivam das mesmas relações de produção", sejam elas expressas através de "formas fenomênicas" ou da aparência (Erscheinungsformerifi. O equívoco dos economistas e de Bentham é o de inferirem "concepções, conceitos e normas para o juízo acerca da sociedade do capital e do trabalho assalariado" exclusivamente a partir de uma esfera superficial da realidade9.
Marx, portanto, não se propõe efetivamente a liquidar como irrelevante e meramente burguesa a liberdade formal ou negativa: isto é dito despreocupadamente pela vulgata "marxista" mas também por aqueles teóricos liberais que pensam definir o contraste entre as duas tradições de pensamento aqui confrontadas na base da preferência ou da proeminência atribuída à liberdade negativa ou positiva, à freedom from ou à freedom to. Dir-se-ia que a vulgata marxista e a alta cultura liberal acabam por convergir numa interpretação substancialmente economicista de Marx e Engels. Estes, na verdade, exigem a intervenção política no âmbito das relações de produção não porque consideram meramente formais e burguesas a liberdade negativa, mas porque, pelo contrário, a vêem espezinhada por uma organização fundamentalmente militar e despótica, que é a fábrica capitalista, da qual uma classe social inteira não pode fugir, a menos que não queira buscar uma alternativa à morte por inanição.
A consciência da diferença entre as duas esferas e os âmbitos que constituem a totalidade social capitalista por vezes parece também revelar-se no âmbito da tradição liberal. Num texto de 1842, Tocqueville observa: "por toda a parte a igualdade estende progressivamente o seu domínio, exceto na indústria, que se organiza a cada dia sob uma forma mais aristocrática"; o trabalhador assalariado acaba por encontrar-se "numa estrita dependência" (étroite dépendence) com relação ao empregador. Não obstante a fascinante aparência liberal e igualitária da "grande sociedade francesa" no seu complexo, a "sociedade industrial" (société industriellé) em sentido estrito continua a ser caracterizada por uma rígida hierarquia que deixa pouco espaço não somente à igualdade, mas também à liberdade individual daqueles que são colocados nos graus mais baixos da hierarquia10. Que a esfera da produção não seja propriamente aquela da liberdade se pode concluir também da leitura de Benjamin Constant, o qual exclui o trabalhador assalariado dos direitos políticos com uma motivação reveladora: ele é privado do "rendimento necessário para viver independentemente de qualquer vontade alheia"; "os proprietários são donos da sua existência porque podem negar-lhe o trabalho"11. Convém também refletir sobre o fato de que o Panopticon teorizado por Jeremy Bentham, este edifício mirante que realiza uma vigilância sem escapatória, pode servir indiferentemente como penitenciária, casa de trabalho (forçado) ou ainda como fábrica12. Portanto, a mesma tradição liberal acaba por reconhecer a existência de uma classe social que no âmbito da "sociedade industrial" se encontra numa situação de "estrita dependência" (Tocqueville), é obrigada a trabalhar em instituições semelhantes ao cárcere (Bentham), e no mercado é efetivamente livre para vender a sua própria força de trabalho, mas a compradores que se tornam, em última análise, "donos da sua existência" (Constant).
O quadro que emerge dos apontamentos tecidos por Tocqueville no curso de sua viagem à Inglaterra não é menos severo do que aquele que, alguns anos mais tarde, traçará Engels. A espantosa miséria de massa está em contraste estridente com a opulência de poucos: "as forças organizadas de uma multidão produzem em prol de um só". Tal espetáculo provoca uma exclamação bastante significativa: "aqui o escravo, lá o senhor, lá a riqueza de alguns, aqui a miséria do maior número"13. Em outra ocasião o liberal francês põe-se em guarda até mesmo contra o perigo da "guerra servil"14, comparando assim, indiretamente, o proletariado moderno e a escravidão antiga. Eis portanto emergindo a realidade da iliberdade na sua forma mais dura e mais drástica, à qual é submetida — para dizê-lo desta vez com Bernard de Mandeville — a "parte mais mesquinha e pobre da nação", the working slaving people, destinado para sempre a se incumbir de um "trabalho imundo e semelhante àquele do escravo" (dirty slavish Work)15. Emanuel-Joseph Sieyès, por sua vez, não hesitava em definir explicitamente como "forçado" o trabalho da "multidão sem instrução" que é portanto "privada de liberdade"16. Tanto que, além de uma rígida e inflexível subordinação hierárquica, aquela multidão é submetida também à "escravidão da necessidade" 17, ou a condições materiais de vida pelas quais, de forma reconhecida também por Locke, "a maior parte da humanidade" é "mantida escrava" (enslaved)18. Por outro lado, como revela o Capital, na Inglaterra do século dezenove são os próprios seguidores de Richard Cobden e John Bright que comparam os operários de fábrica a "escravos brancos" 19.
Somos levados assim a pensar na "escravidão assalariada", denunciada por Marx, o qual faz referência, com tal categoria, seja ao "despotismo" vigente na fábrica, seja às condições materiais de vida como um todo a que são submetidos esses "escravos" modernos. Dir-se-ia que também sobre este ponto central não parece subsistir uma contradição de fundo entre as duas tradições de pensamento aqui confrontadas. E, de fato, o Capital pode mostrar a substancial continuidade entre mundo antigo e mundo moderno, citando e comentando um economista prestigiado como James Stewart: "os homens então eram constrangidos a trabalhar [ou seja, a trabalhar gratuitamente para outrem] porque eram escravos de outrem; agora, os homens são constrangidos a trabalhar [ou seja, a trabalhar gratuitamente para os não trabalhadores] porque são escravos das próprias necessidades" 20.

A CONSTITUIÇÃO DA ESFERA POLÍTICA
Obviamente, a escravidão antiga é distinta da moderna. Marx cita a esse respeito Joseph Townsend, o qual saúda o fato de que a rumorosa e fatigante "constrição jurídica ao trabalho" tenha sido substituída pela "pressão pacífica, silenciosa, incessante" da "fome" e, portanto, pelo medo da morte por inanição21. É assim garantida a necessária "obediência" do servant com relação ao seu master, uma vez que para um "servo desobediente" não há "punição" mais eficaz do que a dispensa e a "fome" que dela decorre22. Parecia claro o domínio exercido pelos "mais delicados" desobrigados do trabalho e "deixados em liberdade, sem interrupção", sobre aqueles que, de uma maneira ou de outra, devem ser constrangidos a desempenhar "as tarefas mais servis, mais sórdidas e mais ignóbeis"23; isto não impede, contudo, que o pastor inglês trace um quadro bastante edificante de seu país: até mesmo o mais miserável é "um homem livre" (freeman), que fornece um "livre préstimo" na base do "seu próprio juízo e arbítrio", sem a "constrição" à qual é submetido o "escravo"24.
Após terem avançado sem um excessivo distanciamento uma com relação à outra, as análises desenvolvidas pelas duas tradições de pensamento aqui postas em confronto enfocam, finalmente, conclusões contrapostas. Como explicar este fato? Fornecendo uma primeira resposta, pode-nos ajudar Edmund Burke, o qual observa que nas classes subalternas a "benção comum" da liberdade pode muito bem "unir-se à muito abjeta fadiga, a grande miséria, a todas as aparências da servidão" (exterior of servitude)25. Dir-se-ia que aqui reaparece, embora invertida, a relação já vista em Marx entre aparência e essência, superfície e realidade mais profunda. Torna-se necessário então interrogar-se acerca das razões da diversa configuração dessa relação. Voltemos a Tocqueville, que por vezes parece traçar um quadro das relações sociais vigentes nos Estados Unidos mais realista do que o de Engels (que se prejudica, como veremos, por obter de segunda mão seu conhecimento acerca da República do outro lado do Atlântico). No relatório que elabora acerca do sistema penitenciário vigente naquele país, o liberal francês chama atenção para uma legislação que joga os pobres na prisão até mesmo por débitos absolutamente insignificantes: na Pensilvania, o número dos indivíduos anualmente encarcerados por débitos perfaz sete mil; caso a esta cifra se acrescenta aquela dos condenados por delitos mais graves, conclui-se que anualmente quase um habitante em cada 144 termina na prisão. E não é tudo: a condição dos pobres é tal que, mesmo na qualidade de testemunhas, são reclusos à prisão até a conclusão do processo judicial. E assim, "no mesmo país em que o queixoso é posto na prisão, o ladrão permanece em liberdade, se pode pagar uma fiança". É bastante severo o juízo de TocqueviUe: "estas leis tudo providenciaram para a comodidade do rico, e quase nada para a garantia do pobre", de cuja liberdade "fazem pouco caso". Emerge assim não apenas a extrema severidade, mas também o caráter de classe da legislação transmitida da liberal Inglaterra à liberal América; deste ponto de vista não há muita diferença com relação a Engels, para quem na Inglaterra o "favorecimento dos ricos é explicitamente reconhecido também na lei". Por fim, o liberal francês assim conclui: "entre todos os povos modernos, os ingleses são aqueles que infundiram a maior liberdade na sua legislação política e fizeram o uso mais freqüente da prisão nas suas leis civis"; os norte-americanos, por sua vez, embora tendo ocasionalmente modificado de modo radical as "leis políticas", "conservaram a maior parte das leis civis" da Inglaterra26. Com tal distinção chegamos a um ponto central: o autor liberal formula o juízo sobre os países que visitou partindo exclusivamente das lois politiques, enquanto as lois civiles são removidas a uma esfera fundamentalmente privada. Não por acaso, dos dados recolhidos ao longo da investigação acerca do sistema penitenciário dos Estados Unidos, pouco se encontra na Démocratic en Amérique: poder-se-ia dizer que as páginas mais interessantes de TocqueviUe são aquelas que posteriormente não confluirão na obra que lhe dará celebridade. Explica-se assim a conclusão de certa forma triunfal: na república do outro lado do Atlântico, não apenas a liberdade floresce plenamente e não constitui um privilégio, mas "as classes desaparecem"27. Habituado que é a lois civiles bem diversas, o viajante proveniente da França exprime nos Estados Unidos o seu desapontamento frente a uma legislação que lhe parece "monstruosa"; mas "a massa dos homens de lei" norte-americanos não vêem nela nada a ser reparado nem a vêem em contradição com a "constituição democrática"28. Mas é exatamente esse ponto de vista que TocqueviUe acaba por assumir. Isto vale também para a Inglaterra: a análise realista ou dramática se esvalce como que por encanto no momento em que se trata de traçar um balanço político abrangente: estamos na presença do país ao qual a França é chamada a observar como um modelo, caso deseje salvar "o advento das instituições livres"29. A sociedade liberal realiza a liberdade enquanto tal, independentemente das condições daquela sorte de escravos que Tocqueville teve de encontrar no inferno das áreas industriais.
Se a tradição liberal remove à esfera privada os traços de servidão que entretanto é obrigada a constatar no âmbito da sociedade burguesa de seu tempo, esta restrição do político e a conseqüente exclusão de seu âmbito próprio da dimensão mais profunda da totalidade social é, por isso mesmo, objeto da polêmica de Marx. O fato é — observa já nos escritos de juventude — que, do ponto de vista da sociedade e da teoria política burguesa, as relações sociais "têm apenas um significado privado, nenhum significado político"30. Na sua forma mais desenvolvida, o Estado burguês se limita "a fechar os olhos e a declarar que certas oposições reais não têm um caráter político, que elas não lhe aborrecem"31. Uma vez considerada desprovida de relevância política, a relação de "estrita dependência" (Tocqueville) do trabalhador assalariado com respeito ao capitalista, ou de "posse" (Constant) do segundo sobre o primeiro, deve ser deixada livre para desenvolver-se sem embaraços ou impedimentos externos: neste sentido, à dissolução da existência política da propriedade corresponde a sua "vida mais potente", que agora pode desfraldar "toda a amplitude da própria existência"32. Mas, segundo Marx, como se considera "vulgar" a economia que limita o seu alcance à esfera da circulação, também se considera "vulgar" a democracia que constitui a esfera política amputando-lhe arbitrariamente as condições concretas de vida e as relações reais de poder que se desenvolvem sobre tal base. A comunidade política assim obtida é simplesmente a transfiguração da esfera da circulação: nesse nível encontram-se exclusivamente os compradores-vendedores de mercadorias ou "cidadãos" sem ulterior caracterização ou distinção, os quais escolhem livremente este ou aquele produto político. A assimilação do mercado político ao mercado econômico, sobre a qual depois insistirá Joseph A. Schumpeter, já está contida in nuce neste fato, e ela, por outro lado, já é de alguma forma enunciada por Sieyès, uma vez que este dissolve a idéia de representação na idéia da divisão do trabalho33. E, significativamente, contra os jacobinos, pressionados a intervir nas relações econômico-sociais pela necessidade de aliviar a miséria e consolidar a base social das fileiras revolucionárias, o teórico francês do Terceiro Estado e leitor de Locke move a acusação de esquecerem que "sob o nome de poder público ou político, não se estabelece nada além do menos possível e apenas aquilo que é necessário para manter cada um nos seus direitos e nos seus deveres": o resultado de tal dilatação da esfera política é a funesta transformação da ré-publique numa ré-totale34. E este é o sentido da denúncia da revolução francesa como "revolução total", já feita por Burke em 1791, antes mesmo do advento ao poder dos jacobinos35. A esta altura, estamos em condições de definir também em termos epistemológicos o contraste entre as duas tradições políticas aqui confrontadas: se Marx acusou a arbitrariedade de uma constituição da esfera política que se abstrai das relações de produção e das condições materiais de vida, os teóricos liberais denunciam como "total", ou totalitária, mais do que um determinado exercício do poder, aquela que aos seus olhos parece ser uma intolerável dilatação da esfera política.
Uma vez que se considera a sociedade civil como desprovida de relevância política, o lugar da dominação pode ser caracterizado pela tradição liberal apenas no Estado político: a liberdade é a liberação da sociedade civil com relação a tal dominação e o processo de emancipação é a redução ao mínimo do Estado, o qual não pode arrogar-se outras tarefas além daquelas referentes à manutenção da ordem pública ou à defesa do funcionamento ordeiro da sociedade civil existente. Tal contraposição entre sociedade civil e Estado político se torna insustentável, uma vez que o "despotismo" foi caracterizado já no nível da sociedade civil. À tese de Bauer, segundo a qual "enquanto o estado exclui, da sociedade civil, ao contrário, excluem-se aqueles que não querem tomar parte em seu desenvolvimento", Marx objeta que "a sociedade procede com o mesmo exclusivismo do Estado; apenas a forma é mais gentil, porque não nos põe porta afora, mas torna nossa vida em seu interior tão árdua que nós mesmos, espontaneamente, seguimos pela porta"36. Compreende-se assim a ironia nas controvérsias com Proudhon, o qual "está convencido de fazer algo de grande queixando-se do Estado à sociedade civil, quer dizer, do resumé oficial da sociedade à sociedade oficial"37. Na realidade, ainda que radicalizando-a, o anarquismo compartilha com o liberalismo a contraposição entre sociedade civil e Estado político. Não por acaso, também Bakunin tem como que um modelo a Inglaterra, que não seria jamais, "a rigor, um Estado no sentido estrito e novo da palavra, ou seja, no sentido da centralização militar e policialesca"38. Desse modo — observa Marx — o dirigente anarquista acaba por poupar "o Estado propriamente capitalista", aquele que constitui "a ponta de lança da sociedade burguesa na Europa"39. Como sua congênere liberal, também a fenomenología do poder própria do anarquismo não leva em consideração o "despotismo" vigente na fábrica, a permanência de relações de trabalho servis ou semi-servis no coração do século dezenove40, as "leis civis" de que fala Tocqueville, não obstante as macroscópicas cláusulas de exclusão da própria liberdade negativa que veremos dentro em breve. Se portanto a sociedade civil não é por si mesma o lugar da liberdade, o Estado político pode, em determinadas circunstâncias, funcionar como um contrapeso ao despotismo vigente no nível da sociedade civil. O jovem Marx polemiza contra o "liberalismo costumeiro" que vê "todo o bem por parte dos Stãnde, dos organismos que sejam expressões representativas da sociedade civil e todo o mal por parte do governo"41. Não se trata apenas da tomada de posição de um texto "juvenil". O Capital é obrigado a registrar o fato de que, para obter a regulamentação do horário de trabalho na fábrica, é necessário recorrer à intervenção do Estado, de modo a evitar que a "livre concorrência" e as "leis imanentes da produção capitalista" provoquem a deterioração irreparável da "saúde e do tempo de vida do operário"42. Por trás da obra-prima de Marx, opera a análise de Engels em A Situação da classe operária na Inglaterra, que, por sua vez, observa: "a livre concorrência não quer limitações, não quer controles estatais, todo o Estado lhe pesa, ela se encontraria no grau máximo de perfeição numa estrutura totalmente desprovida do Estado, onde cada um pudesse ao seu bel prazer desfrutar dos outros, como por exemplo na 'Associação' do amigo Stirner". É assim instituído o nexo entre liberalismo, anarquismo e uma espécie de social-darwinismo ante litteram: "os homens consideram os demais apenas como objetos utilizáveis; cada um desfruta do outro, e disso decorre que o mais forte coloca sob os seus pés o mais fraco, e que os poucos que são fortes, ou seja, os capitalistas, tomam posse de tudo, enquanto aos muitos que são fracos, aos pobres, sobra penosamente a vida dura"43.

EXCLUSÃO DAS REGRAS DO JOGO
Também não faz sentido remeter do Estado à sociedade civil pelo fato de que, no âmbito desta, o despotismo próprio da fábrica capitalista de fato não constitui o único caso de esvaziamento da liberdade negativa. Vimos Townsend celebrar como triunfo da liberdade a substituição dda "constrição jurídica ao trabalho" pelo estímulo imperioso da fome. Mas, na realidade, esse esvaziamento continua a fazer-se sentir até mesmo no coração da metrópole capitalista, como demonstra a vitalidade de uma instituição com a qual Tocqueville se embate no curso de suas viagens pelo mundo anglo-saxão. Estamos diante de uma instituição total e totalmente degradante, ao menos no que diz respeito à Inglaterra. O liberal francês descreve com precisão o espetáculo "mais horrendo e mais repugnante da miséria": de um lado, os enfermos incapazes de trabalhar que esperam pela morte, de outro as mulheres e garotos misturados na confusão "como porcos na lama de seu chiqueiro: é preciso atenção para não se pisar em corpos seminus"; enfim, aqueles relativamente mais "afortunados", aqueles que estão em condições de trabalhar, ganham pouco ou nada e também se nutrem dos progressos das casas senhoriais44.
A viagem à Inglaterra de 1833 coincide com o momento no qual é reformada a Lei dos Pobres: são abolidos todos os subsídios em gênero ou em espécie, a única possibilidade de fugir da fome ou da morte por indigência é a internação em casas de trabalho, cujo funcionamento é assim descrito por Engels: "os paupers trajam o uniforme da casa e estão sujeitos ao arbítrio do diretor sem a menor proteção"; a fim de que "os pais 'moralmente degradados' não possam influir sobre os seus filhos, as famílias são separadas; o homem é enviado para uma ala, a mulher para outra, os filhos para uma terceira". A unidade familiar é rompida, mas de resto são todos misturados até o número de doze ou dezesseis por um só quarto, e sobre eles é exercido todo o tipo de violência, a qual não poupa sequer os velhos e as crianças, comportando atenção particular às mulheres. Na prática, os internos das casas de trabalho são declarados e tratados como "objetos de desgosto e de horror postos fora da lei e da comunidade humana"45. Desse modo, a Inglaterra liberal "faz da miséria um crime e transforma as casas para os pobres em penitenciárias"46. Se o quadro traçado por Engels puder parecer demasiadamente emotivo, bastará ter em conta o juízo mais isento de um estudioso contemporâneo para o qual, uma vez tendo entrado na casa de trabalho, os pobres "deixavam de ser cidadãos em qualquer significado genuíno do termo", uma vez que perdiam o "direito civil da liberdade pessoal"47, e junto com eles também perdiam esses direitos os membros da desafortunada família.
Tocqueville se refere aos protestos nos Estados Unidos dos "vagabundos" internados pelos juizes nas casas de trabalho ou de caridade: o pobre assim recluso "se considera infeliz, não culpável; ele contesta à sociedade o direito de forçá-lo pela violência a um trabalho infrutífero, obtendo-o contra a sua vontade"48. E contudo tal instituição, que nega a própria liberdade negativa, não suscita reservas por parte do autor liberal, o qual se propõe a estendê-la também à França, fazendo-o da forma mais dura49. No confronto entre Engels e Tocqueville, assistimos a uma singular inversão de posições: é o jovem revolucionário que põe em evidência e condena a ausência total mesmo de liberdade negativa, que caracteriza as casas de trabalho.
Mas os internos em tais instituições constituem apenas um exemplo das cláusulas de exclusão que caracterizam a teorização da liberdade negativa no âmbito da tradição liberal. No curso de sua viagem ao outro lado da Mancha, Tocqueville visita também a Irlanda, cuja situação desesperada descreve sem indulgência. Não se trata apenas do fato de que "a miséria é horrível"; é negada aqui a mesma liberdade liberal, espezinhada pelos "tribunais militares" e por uma "numerosa gendarmaria odiada pelo povo". Nesse ponto é feito um confronto entre a Inglaterra e a Irlanda. "As duas aristocracias das quais falei têm a mesma origem, os mesmos costumes, quase as mesmas leis. E, todavia, uma deu por séculos aos ingleses um dos melhores governos do mundo, a outra deu aos irlandeses um dos mais detestáveis que se possa imaginar"50. Trata-se de uma declaração singular: não apenas o leitor não é informado de que a aristocracia dominante na Irlanda é a mesma da Inglaterra, ou de origem inglesa, como tem a impressão de encontrar-se diante de dois países distintos, com instituições políticas diversas, não diante de duas regiões de um único Estado, submetido à autoridade de um mesmo governo e de uma mesma Coroa. O liberal francês relata o testemunho de interlocutores autorizados: "Para dizer a verdade, não há justiça na Irlanda. Quase todos os magistrados do país estão em guerra aberta com a população. Assim, a população não têm sequer a idéia de uma justiça pública". Mas isto não impede Tocqueville de observar ou exclamar admirado: "vejo o inglês seguro sob a proteção de suas leis"51. Claramente, o irlandês não é compreendido sob à mesma categoria de "inglês", mas tal compreensão falha não parece constituir um problema, não macula o juízo lisonjeiro acerca do país visitado, postulado como modelo de liberdade. E portanto, a liberdade é constantemente e grandiloqüentemente celebrada, mas a partir do pressuposto tácito de que esta "coisa santa"52 não vale para todos ou, como quer que seja, não pode ser considerada irrenunciável para todos.
As cláusulas de exclusão que subentendem o culto da mesma liberdade negativa emergem com evidência ainda maior da análise dos Estados Unidos. Após ter descrito com lucidez e sem indulgência o tratamento desumano imposto aos peles-vermelhas (naquele momento próximos a ser eliminados da face da Terra) e aos negros (escravos no Sul e no Norte constantemente privados dos direitos civis, além dos políticos), Tocqueville não apenas faz uma apaixonada celebração da democracia americana, mas, na abertura do capítulo dedicado ao problema das "três raças que habitam o território dos Estados Unidos", faz uma declaração bastante significativa, sobretudo sobre o plano epistemológico: "A tarefa principal que foi-me imposta é agora cumprida; mostrei, ao menos pelo que me foi possível, quais são as leis da democracia americana, fiz conhecer quais são os seus costumes. Poderia deter-me aqui". É apenas para evitar uma possível ilusão do leitor que Tocqueville fala das relações entre as três raças: "estes problemas, que dizem respeito ao meu objeto, não são parte integrante dele: referem-se à América, não à democracia, e eu quis fazer sobretudo o retrato da democracia"53. A democracia pode ser definida e a liberdade pode ser celebrada independentemente da sorte dos excluídos.
A coisa vem aos olhos com particular evidência no caso da análise tocquevilliana dos Estados Unidos, devido à imediata contigüidade geográfica e espacial dos "homens livres" e do "restante da população", para citar a linguagem eufemística da Constituição americana (art. 1º). Mais comumente, os excluídos são colocados numa posição menos proeminente, fora da metrópole capitalista, nas colônias, lá onde — para dizê-lo com John Stuart Mill, correspondente e interlocutor de Tocqueville — o "despotismo" pedagógico torna-se lícito e necessário, uma vez que "têm-se de lidar com bárbaros", ou com "raças" consideradas na "menoridade" e, portanto, propensas a uma "obediência absoluta", ao menos até a obtenção da maioridade. É claro: a liberdade "vale apenas para seres humanos na plenitude de suas faculdades"54.

A CATEGORIA DE TOTALIDADE
É possível distinguir um elemento comum, no plano epistemológico, entre a remoção da esfera da produção a um âmbito privado e destituído de relevância política e a definição de uma sociedade como sociedade livre e aberta, independentemente da sorte dos excluídos? Para responder a tal pergunta, voltamos a Marx, para quem quanto mais a esfera da produção se torna inextrincavelmente entrelaçada à esfera da circulação, tanto mais inadmissível se torna a sua exclusão do âmbito político. O "Éden dos direitos naturais inatos" que aqui domina tem como seu fundamento o "despotismo" vigente na fábrica capitalista: "Enquanto no interior da fábrica moderna a divisão do trabalho é minuciosamente regulada pela autoridade do empresário, a sociedade moderna não tem outra regra, outra autoridade, para distribuir o trabalho, senão a livre concorrência... Pode-se também afirmar, como princípio geral, que, quanto menos a autoridade preside a divisão do trabalho no interior da sociedade, tanto mais a divisão do trabalho se desenvolve no interior da fábrica, sendo submetida à autoridade de uma única pessoa. Assim, a autoridade na fábrica e aquela na sociedade, em relação à divisão do trabalho, estão na razão inversa uma da outra"55.
Além do nexo entre a esfera da circulação e a esfera da produção, Marx e Engels insistem naquele que existe entre o desenvolvimento capitalista e a persistência de relações de trabalho servis ou semi-servis, ademais daquele que liga metrópole capitalista e colônia. A reconstrução histórica de tais nexos e de tais relações negligenciados ou ocultados pela economia política burguesa ou pela tradição liberal está no centro da obra-prima de Marx, o qual sublinha como "o capital nasce vertendo sangue e lama, de todos os poros, da cabeça aos pés": uma mistura de sangue e lama evidenciada em particular pela sorte dos excluídos das regras do jogo nas colônias e na própria metrópole capitalista56. Não é imaginável o desenvolvimento da Inglaterra capitalista e liberal sem o tráfico de negros e sem as colônias, entre as quais deve-se inserir também a Irlanda, que é apenas "um distrito agrícola da Inglaterra", o qual "fornece grãos, lã, gado, soldados industriais e militares"57. Se Tocqueville, em contraposição ao radicalismo e ao fanatismo ideológico dos jacobinos, celebra o senso de medida e o ordenado desenvolvimento que prevalece do outro lado da Mancha ou do Atlântico, Marx e Engels sublinham o nexo entre a estabilidade inglesa e o desenvolvimento colonial, com a possibilidade que este comporta de integrar aos planos econômico e político no sistema existente até mesmo amplos setores da classe operária. No que diz respeito aos Estados Unidos, não se pode perder de vista o fato de que "os conflitos de classe são freqüentemente camuflados pela imigração para o Oeste da superpopulação proletária"58. A moderação no conflito político-social na Inglaterra e entre os brancos norte-americanos é outra face da moeda da política de expansão e de opressão colonial, e até mesmo de aniquilação, em detrimento dos excluídos das regras do jogo. O erro dos economistas que celebram acriticamente o desenvolvimento capitalista é deixar passar sob silêncio "aqueles milhões de operários que devem ter morrido nas Índias orientais, para procurar, a cada dez anos, três de prosperidade do milhão e meio de operários ocupados na mesma industria na Inglaterra"59.
A crítica mais propriamente epistemológica diz respeito à economia política burguesa ("desconectam-se os membros do sistema social; transformam-se os diferentes membros da sociedade em uma outra sociedade à parte"60) e pode tranqüilamente ser feita também a Tocqueville, que no juízo compreensivo formulado sobre as sociedades americana e inglesa não tem em conta a sorte dos peles-vermelhas e dos negros, ou dos irlandeses. O liberal francês não pode senão parecer um "metafísico" aos olhos de Engels, empenhado, na linha de Hegel, a contrapor a dialética entendida como "ciência da conexão universal"61 à metafísica, caracterizada pelo traço da mutilação da realidade em entidade separadas e sem relação entre si.
Se a categoria de totalidade é o ponto de força de Marx e Engels, é necessário porém observar que essa é valorizada, por um lado muito pouco, por outro demasiadamente. Quando definem os Estados Unidos como o "país da emancipação política completa", ou como "o exemplo mais perfeito de Estado moderno", o qual assegura o domínio da burguesia sem excluir a priori alguma classe social do gozo dos direitos políticos, é claro que chegam a tal definição sem ter em conta a escravidão dos negros ou a sorte dos peles-vermelhas; não parecem estar conscientes do fato de que a discriminação censitária passa naquele país através da discriminação racial; parecem isto sim perder de vista a relação entre sufrágio quase universal dos homens de raça branca e total exclusão dos negros e peles-vermelhas dos direitos políticos (e freqüentemente, também dos civis). Nesse sentido, não há uma substancial diferença com respeito a Tocqueville. Em outros momentos, ao contrário, torna-se demasiadamente enfático o recurso à categoria de totalidade. Se o Capital se limita a afirmar que "a escravidão velada dos operários assalariados na Europa tinha a necessidade do pedestal da escravidão sans phrase no novo mundo"62, a Misère de Ia philosophie vai bem mais longe: "Sem a escravidão, a América do Norte, o país hoje mais evoluído, transformar-se-ia num país patriarcal. Apaguem a América do Norte do mapa-múndi e terão a anarquia, a decadência completa do comércio e da civilização moderna. Façam desaparecer a escravidão e apagarão a América do Norte da carta dos povos"63.
Ao comentar este texto muitos anos de distância da conclusão da Guerra da Secessão, Engels viu-se constrangido ao distanciamento, mas o fez a contragosto, e apenas muito parcialmente: "Isto era absolutamente exato no ano de 1847". É verdade que a escravidão nos Estados Unidos foi abolida, o capitalismo não entrou em colapso, mas de qualquer forma arruinou-se o Sul, "o qual não conseguiu substituir a escravidão aberta dos negros pela escravidão camuflada dos coolies indianos e chineses"64 . Torna-se aqui excessivamente generalizante, e muito rígida e monolítica, a conexão instituída entre as partes singulares constitutivas da totalidade: estamos agora em presença de uma categoria que parece empenhada na pesquisa de um mítico ponto arquimediano sobre o qual se busca realizar uma transformação planetária global. Com o resultado de subestimar, de um lado, a capacidade de transformação e de adaptação do sistema capitalista e, de outro, a dimensão dos tempos necessários à edificação do esperado novo sistema social.

NORMALIDADE E EXCEÇÃO
O nexo existente entre metrópole e colônia evoca um posterior, aquele que liga normalidade e estado de exceção. A dura sorte da Irlanda, mantida sob controle "apenas com as baionetas e com um estado de sítio ora aberto, ora velado"65, é plenamente considerada por Marx no juízo sobre a Grã-Bretanha e sobre sua classe dominante, formulado por Marx, o qual assinala que um traço constante da política inglesa na infeliz colônia é o recurso à execução sumária e às mais drásticas medidas de guerra66, ou seja, a uma política tão desumana e terrorista que se tornou "inaudita na Europa", encontrando similar apenas entre os "Mongóis"67. Longe de serem consideradas irrelevantes para o juízo político como um todo, as relações existentes nas colônias ou semicolônias lançam uma luz reveladora sobre a metrópole capitalista: "a profunda hipocrisia, a barbárie intrínseca da civilização burguesa estão diante de nós sem véus, não apenas nas grandes metrópoles, onde elas assumem formas respeitáveis, mas voltemos os olhos às colônias, onde perambulam nuas"68. Tocqueville, pelo contrário, separa claramente a Inglaterra e a Irlanda, normalidade constitucional existente na metrópole e estado de exceção levado a cabo nas colônias. Além do mais, não se esconde de fato a gravidade das "medidas excepcionais" às quais é submetida a população irlandesa, à mercê dos "tribunais militares" e de uma gendarmaria numerosa e odiosa. Em Castle-bar, com base no Insurrection Act, "todo homem surpreendido sem passaporte fora de sua casa após o pôr do sol é deportado"69. Tão desesperadora é a situação que o liberal francês se pergunta se "uma ditadura temporária, exercida de uma maneira firme e iluminada, como aquela de Bonaparte após o 18 Brumário, não seria o único meio para salvar a Irlanda"70.
Daqui emerge com clareza que, contrariamente às imagens estereotipadas e repetitivas que o pintam como um teórico da absoluta inviolabilidade das regras do jogo, o liberal francês bem sabe compreender as razões do estado de exceção. No que diz respeito à Irlanda, parece interpretá-las num sentido, por assim dizer, reformador: supõe desta forma que uma ditadura à Napoleão I, centralizada, modernizante e, ao menos em certa medida, colocada acima das partes, seria preferível ao status quo de um terror diretamente exercido pela aristocracia inglesa sobre os camponeses de raça e religião diversa. A partir da crise de 1848, a necessidade de recorrer, em determinadas circunstâncias, ao "terror", passa a ser tomada e enfatizada por um ponto de vista exclusivamente conservador71. Mas assim como a sorte dos excluídos, também o estado de exceção não parece jogar qualquer papel na formulação do juízo sobre o regime liberal burguês. A dura realidade de um poder que tem à sua disposição o aparato policial e militar acaba, de uma maneira ou de outra, vindo à tona, mas dir-se-ia que esta realidade acabaria sendo epistemológicamente neutralizada pela tradição liberal: os devedores insolventes remetem ao mundo da economia e dos delitos e das responsabilidades individuais e privadas; o golpe de estado do 18 Brumário e a repressão à revolta de junho pertencem a um estado de exceção que nada tem a ver com a normalidade.
Por outro lado, no centro do interesse de Marx está exatamente a passagem da normalidade ao estado de exceção. Isso que constitui a regra, ou quase, na Irlanda e nas colônias, pode fazer e faz sua aparição, no momento oportuno, na própria metrópole capitalista e liberal: na Inglaterra, nos períodos de crise, "foi amordaçada a imprensa, suprimida a liberdade de reunião, desarmada toda a nação, foram suspensas as liberdades individuais assim como os tribunais ordinários, e todo o país foi governado como se estivesse em estado de sítio"72. No que se refere à França, a primeira e a segunda repúblicas cederam o lugar ao bonapartismo respectivamente de Napoleão I e de Napoleão III. O regime representativo está sempre pronto para transformar-se numa ditadura militar: em situações de emergência os políticos passam o bastão aos militares, já preparados.
Uma vez na presença de um estado de exceção prolongado ou permanente, os militares tendem a se autonomizar. É o que ocorre na França: o aparato militar desenvolvido pela burguesia com funções anti-operárias acaba por engolfar a sociedade como um todo e a própria burguesia; com a repressão à revolta operária de junho, o general Cavaignac (caro à burguesia liberal) exerce "a ditadura da burguesia mediante a espada", a qual acaba porém por se transformar na "ditadura da espada sobre a sociedade civil" como um todo73. Mas também os processos de autonomização do aparato militar (o bonapartismo ou, nos nossos dias, o fascismo) não deixam de ter relação com a normalidade; mais do que isso, apenas podem ser adequadamente compreendidos a partir da análise concreta dos instrumentos preparados pelo Estado liberal-burguês normal, tendo em vista exatamente a proclamação do estado de exceção. As modalidades de funcionamento de tais instrumentos são descritas com precisão por Locke: "a conservação do exército e, com ele, do Estado no seu complexo exige obediência absoluta às ordens de todo oficial superior, e desobedecer ou discutir mesmo as mais irracionais significa justamente a morte". Na prática, o oficial superior acaba dispondo de um "absoluto poder de vida e de morte" sobre os seus subordinados74. Também no regime representativo moderno continua a haver uma esfera de poder absoluto, na qual inexiste um lugar não só para a liberdade democrática (o direito de participação nas escolhas e no poder) mas também para a liberdade negativa. Mas pode ser considerado livre e democrático um regime sempre pronto para se transformar, em caso de necessidade, numa ditadura militar e que, já nos períodos de normalidade, apronta os instrumentos necessários para impor a ditadura, plasmando-lhes de acordo com as regras e os princípios do estado de exceção? Contrariamente à tradição liberal, Marx e Engels fornecem uma resposta negativa a tal pergunta.

DITADURA, TRANSIÇÃO E ESTADO
É neste ponto que se coloca a teorização de uma fase transitória de ditadura revolucionária, conclamada a conduzir à instauração de uma sociedade desprovida de qualquer forma de Estado e de dominação. Sobre isso formou-se toda uma tradição interpretativa para contrapor os autores do Manifesto, que desprezavam a liberdade formal, aos teóricos da absoluta inviolabilidade das regras do jogo, que seriam òs pensadores liberais. Na realidade, a teorização de uma ditadura transitória para o estado de exceção está largamente presente na tradição liberal européia ou americana75. Entretanto, o momento final da superação da ditadura distingue-se em Marx e Engels pela extinção do Estado. Tal conclusão parece estar em contradição com a multiplicidade de tarefas atribuídas pelos dois revolucionários, com algumas oscilações, ao Estado burguês ou classista. Die deutsche Ideologie distingue no estado a "forma de organização" através da qual os indivíduos da classe dominante efetivam "a garantia recíproca da sua propriedade e dos seus interesses"76. Analogamente, Engels define o Estado burguês como a "salvaguarda recíproca da classe burguesa nos confrontos de seus membros individuais, assim como nos confrontos da classe explorada"77. A função garantidora para os indivíduos da classe dominante é aqui indicada antes mesmo da função de manutenção da opressão ou do controle social das classes subalternas; não se compreende porque, após o desaparecimento das classes, deveria se tornar supérflua a "garantia" ou a "salvaguarda" a ser proporcionada aos membros individuais de uma comunidade unificada. Resta de qualquer forma o fato de que o caráter utópico do objetivo da extinção do Estado pode estimular — e nos países do socialismo real estimulou — o prolongamento ao infinito da ditadura de transição.
Marx e Engels parecem por vezes se dar conta do caráter utópico da perspectiva que indicam. Preocupam-se então em precisar que, com o desaparecimento do "antagonismo" de classe, extinguir-se-á apenas o "poder político propriamente dito"78 e desaparecerá sim o Estado, mas o "Estado no atual sentido político"79. No foco da polêmica contra o anarquismo remete-se objetivamente à discussão da tese em questão no seu complexo: Michail A. Bakunin é acusado de ter em vista o "conceito abstrato de Estado", ou "o Estado abstrato, o Estado enquanto tal, o Estado que não existe em nenhuma parte", o que pode encontrar lugar apenas "nas nuvens"80. E, todavia, não se atinge nunca um real esclarecimento. O fato é que a utopia da extinção do Estado é a outra face da moeda de uma fenomenologia do poder de extraordinária lucidez que surpreende o momento da ditadura mesmo no Estado aparentemente mais livre.
A este paradoxo se liga um outro. À primeira vista, um abismo separa a palavra de ordem da extinção do Estado da tradição liberal que, no seu realismo e no seu apego realista às razões da propriedade e à sua defesa, pensou numa limitação do poder estatal, e não certamente no seu desaparecimento. Contudo, para dar uma idéia do significado concreto daquela palavra de ordem, Engels toma o exemplo dos Estados Unidos, onde a "abolição do Estado" já foi realizada, ao menos no sentido "burguês" do termo. Essa tese é formulada no já conhecido texto de 1850, aquele que ressalta ainda que "a emigração da superpopulação proletária para o Oeste camufla" (mas não cancela) o conflito de classe (que funda a necessidade do Estado). E, contudo, Engels assim conclui o raciocínio: "a intervenção do poder estatal, reduzida a um mínimo no Leste, não existe de fato no Oeste"81. Ainda a décadas de distância é reiterada essa lisonjeira análise acerca dos Estados Unidos que, junto com a Inglaterra, encarnam "a parte melhor daquela liberdade pessoal, daquela autonomia local e daquela independência diante de toda intervenção estranha, exceção feita àquela da justiça, numa palavra, a parte melhor das velhas liberdades germânicas que no continente foram perdidas sob a monarquia absoluta e que até hoje não foram completamente reconquistadas em nenhum país"82.
O que dizer de tal leitura da história dos Estados Unidos? Após estar empenhados na guerra com a Inglaterra entre 1812 e 1815, por volta da metade do século, eles subtraem ao México um imenso território; e não é o caso de falar das expedições militares contra os índios, cuja deportação e cujas terras permitem a absorção da "superpopulação" e o "camuflamento" dos conflitos de classe: ao menos a máquina da guerra, setor importante e decisivo do aparato estatal, já está bem desenvolvida na república norte-americana! Mas Engels passa silenciosamente, no texto de 1850, pela instituição da escravidão, e, nos textos seguintes, pelas perseguições contra os negros, privados dos direitos políticos conquistados imediatamente após a Guerra da Secessão, constrangidos a um regime de apartheid e submetidos a uma violência que atinge até mesmo as formas mais ferozes do linchamento. Não tem mais qualquer papel a categoria de totalidade e a análise dos Estados Unidos é desenvolvida como se fossem uma quantité negligeable os negros, os índios e os latino-americanos!
O fato é que, após o triunfo do bonapartismo, não apenas Tocqueville, mas também Engels e Marx tendem a idealizar os países colocados fora do "continente", aos quais parece estranho o destino da França: nela, através de cada revolução, o aparato estatal e militar é progressivamente e monstruosamente dilatado; à Guarda Nacional de 1789 são acrescentadas as Guardas Móveis de 1848. Na verdade, na vigília da revolta operária de junho, é o mesmo liberal francês que se declara favorável à formação deste novo corpo armado, que embora recrute "proscritos", "ladrões", "mendigos", e todos os "rejeitados da sociedade"83. Isto não lhe impede de mais tarde contrapor positivamente à França o mundo anglo-saxão, o qual remete por sua vez às "velhas liberdades germânicas" celebradas pelo Engels de 1892, que continua, mesmo após a queda de Napoleão III, preferindo a república do outro lado do Atlântico àquela francesa.
Mas se no quadro dos Estados Unidos fazemos intervir os excluídos, então chegamos a resultados bem diversos. Diante do perigo de uma revolta dos escravos, enquanto o governador James Monroe já pensa em deportar para fora do território americano os negros libertos, a Virgínia e a sua capital apresentam um quadro que é assim descrito por um observador no início do século XIX: "O serviço militar opera noite e dia, Richmond se assemelha a uma cidade sitiada... Os negros... não se arriscam a comunicar-se uns com os outros pelo medo de serem punidos"84. A repressão e a violência são aqui exercidas por corpos armados que são a expressão direta da sociedade civil: são os brancos organizados em milícias (embora prontos a intervir, permanecem à sombra do Estado federal, o estado propriamente dito). Dir-se-ia que o último Engels tenha rebaixado a sua fenomenología do poder àquela própria da tradição liberal! Na verdade, quem se revela mais lúcido aqui é Tocqueville, o qual, embora procedendo a uma drástica redução da esfera da política e, portanto, esvaziando de relevância política o quadro dramático da condição das raças sujeitadas pelos brancos, não esconde o fato de que nos Estados Unidos, os mesmos "negros alforriados" são "desprovidos de direitos" e, por vezes, ainda "mais desgraçados" do que os "indígenas"85. E não se pode dizer com certeza que, com relação aos tempos de Tocqueville, a situação tenha nesse ínterim sido melhorada. Nos Estados Unidos de fins do século XIX é talvez débil o Estado, mas é tanto mais forte a Ku Klux Klan, expressão clara da sociedade civil, a qual pode contudo ser ela mesma o âmbito do exercício do poder, e de um poder também brutal. Em 1883 a Corte Suprema declara inconstitucional uma lei federal que pretendia vetar a segregação dos negros nos locais de trabalho ou nos serviços (as ferrovias) administradas por companhias privadas, por definição subtraídas a qualquer interferência estatal. Se é que existe um dique à prepotência em detrimento dos negros (e dos índios), ele reside no poder político central, cuja extinção ou diluição Engels celebra! O fato é que nos textos acima citados o lugar da violência e da dominação acaba sendo identificado exclusivamente com o Estado, e o lugar da liberdade com a sociedade civil, como na fenomenologia do poder própria da tradição liberal. É claro então que a plena efetivação da liberdade não pode consistir na reabsorção sem mais do estado pela sociedade civil. O tema da extinção do Estado aponta ao mesmo tempo para o ponto de maior disjunção e de maior contato de Marx e Engels com a tradição liberal.


* "Fenomenología del potere: Marx, Engels e la tradizione liberale". Rivista di filosofia, vol. LXXXVI, nº 3, dezembro de 1995, pp. 1-16.         [ Links ] Tradução de Cláudio Gonçalves Couto.
1  Alexis de Tocqueville, Vanclen régime et la revolution, in Oeuvres completes (organizado por J. P. Mayer), Paris, Gallimard, 1951 ss., vol. II/l, p. 217.         [ Links ]
2  Karl Marx & Friedrich Engels, Ansprache der Zentralbehörde an den Bund vom Man 1850, in Werke (daqui por diante MEW), Berlin, Dietz, 1995 sgg. vol. VII, p. 248.         [ Links ] No que se refere à tradução, utilizamos livremente aquela contida na edição das Opere complete de Marx e Engels em vias de publicação pelos Editori Riuniti.
3
Karl Marx, Kritik des Gothaer Programms (1875), in MEW, vol. XIX, p. 29.         [ Links ]4 Karl Marx, Das Kapital (1867-1894), in MEW, vol. XXIII, p. 49;         [ Links ] cfr. também Zur Kritik der politischen Oekonomie (1859), in MEW, vol. XIII, p. 15.         [ Links ]
5 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 189 e 191.         [ Links ]
6 Karl Marx & Friedrich Engels, Das Manifest der Kommunistischen Fartei (1848), in MEW, vol. IV, p. 469.         [ Links ]
7 Veja-se o capítulo dedicado ao Schein na Wissenschaft der Logik (cfr. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Werke in zwanzig Bänden, Frankfurt/M., Suhrkamp, 1969-1979, vol. VI, pp. 17-24);         [ 
Links ] explicitamente de Objektivität des Scheins fala-se já no início dessa obra {Werke in zwanzig Bänden, cit. vo. V, p. 52). São páginas que suscitam a atenção e o consenso de Lenin (cfr. Quaderni filosofia, organizado por Lucio Coletti, Milão, Feltrinelli, 2ª edição, 1969, pp. 88-89 e 116-21),         [ Links ] o qual, entretanto, não parece fazer valer a relação instituída por Hegel entre "aparência" e "essência" para a análise dos aspectos mais propriamente políticos da sociedade capitalista.
8 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 557 e 559.         [ 
Links ]
9 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 190-91.         [ 
Links ]
10 Alexis de Tocqueville, Lettres sur la situation intérieure de la France (1843), in Oeuvres completes, cit, vol. III/2, pp. 105-6.         [ 
Links ]
11 Benjamin Constant, Principes de politique (1815), tradução italiana de Umberto Cerroni com o título Principi di política, Roma, Editori Riuniti, 1970, 2ª ed., p. 102.         [ Links ]
12 Cfr. The Works of Jermy Bentham (organizado por J. Bowring), Edimburgo, Tait, vol. IV, 1863, p. 40.         [ Links ]
13 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Mande, Suisse et Algerie, in Oeuvres completes, cit., vol. V/2, pp. 80-82.         [ Links ]
14 [Notes] (presumivelmente de 1847), in Oeuvres completes, cit., vol. III/2, p. 727.
15 Bernard de Mandeville, The Fable of the Bees (organizado por F. B. Kaye), Indianapolis, Liberty Classics, 1988, vol. I, p. 119,         [ 
Links ] An Essay on Charity and Charity Schools (1723), in The Fable of the Bees, cit. vol. I, p. 302.         [ Links ]
16 Emanuel-Joseph Sieyès, Dire sur la question du veto royal (1789), in Écrits politiques (organizado por R. Zapped), Paris, Editions des Archives Contemporaines, 1985, p. 236.         [ Links ]
17 Emanuel-Joseph Sieyès, Notes et fragments inédits, in Écrits politiques, cit., p. 76.         [ Links ]
18 John Locke, An Essay Concerning Human Understanding (1689), IV, XX, 2.         [ Links ]
19 Karl Marx, Das Kapital, cit. p. 290.         [ Links ]
20 Karl Marx, Das Kapital, cit. p. 676, nota.         [ Links ]
21 Joseph Townsend, A Dissertation on the the Poor Laws by a Well-Wisher to Mankind (1786), Berkeley-Los Angeles-London, University of California Press, 1971, pp. 23-24.         
Links ]22 Joseph Townsend, Dissertation, cit., pp. 26-27. 23 Joseph Townsend, Dissertation, cit., p. 35. 24 Joseph Townsend, Dissertation, cit., p. 24. Acerca de Townsend, cfr. Karl Marx, Das Kapital, cit., 676.
25 Edmund Burke, Speech on Moving His Resolution for Conciliation with the Colonies (1775), in The Works, A new Edition, Londres, Rivington, 1826, vol.
III, p. 54;         [ Links ] tradução italiana de A. Martelloni com o título Mozione di conciliazione con le colonie, in Scritti politici, Turim, UTET, 1963, p. 91.         [ Links ]26 Alexis de Tocqueville, Le Systéme pénitentiaireaux Etas-Unis et son application en France (1833), in Oeuvres complètes, cit., vol. IV/1, pp. 323-26.         Links ] No que diz respeito a Engels, cfr. Die Lage Englands (1844) in MEW, vol. I, p. 590.         [ Links ]
27 Alexis de Tocqueville, De la démocratic en Amérique (1835-40);         [ 
Links ] tradução italiana de Nicola Matteucci com o título La democrazia in America, in Scritti politici, Turim, UTET, 1968, vol. II, p. 522.         [ Links ]
28 Alexis de Tocqueville, Le systéme pénitentiaire aux Etas-Unis et son application en France, cit., p. 325.         [ Links ]
29 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Mande, Suisse et Algerie, cit., p. 84.         [ Links ]
30 Karl Marx, Kritik des Hegelschen Staatsrechts (1843), in MEW, vol.
I, p. 382.         [ Links ]31 Karl Marx & Friedrich Engels, Die heilige Familie (1845), in MEW, vol. II, p. 101.         [ Links ]32 Karl Marx & Friedrich Engels, Die heilige Familie, cit., p. 124.         [ Links ]33 Cfr. Domenico Losurdo, Democrazia o bonapartismo. Trionfo e decadenza del suffragio universale, Turim, Bollati Boringhieri, 1993, pp. 239-42.         Links ]
34 P. Bastid (org.), Les discours de Sieyès dans le débats constitutionnels de lán II, Paris, Hachette, 1939, pp. 17-18.         [ Links ]
35 Cfir. Edmund Burke, Thoughts on French Affairs (1791), in The Works. A New Edition, cit., vol. VII, p. 9.         [ Links ] A condenação da "revolução total" é depois retomada por F. von Gentz, Über die Moralität den Staatsrevolutionen (1793), In Ausgenwählthe Schriften (organizado por W. Weick), Stuttgart e Leipzig, Rieger, 1836-38, vol. II, p. 43.         [ Links ] Dois anos depois a irrupção da Revolução de Outubro, quando ainda perdura o eco das palavras de ordem da "mobilização total" e "guerra total" que haviam acompanhado o primeiro conflito mundial, a expressão "revolução total" torna-se "totalismo revolucionário" (revolutionârer Totalismus), com uma inversão portanto de substantivo e adjetivo. O "totalismo" tornar-se-á depois o "totalitarismo": cfr. A. Paquet, Im Kommunistischen Rufiland.
Briefe aus Moskau, Jena, Diedrichs, 1919, p. III e Domenico Losurdo,         [ Links ] Marx e ilbilancio storico dei Novecento, Roma, Bibliotheca, 1993, pp. 103-5.         Links ] Sobre Paquet e a categoria por ele utilizada, chamou atenção E. Noite, Der europäische Bürgerkrieg 1917-1945. Nationalsozialismus und Bolschewismus, Frankfurt a.M. & Berlim, Ullstein, 1987, p. 563.         [ Links ]
36 Karl Marx & Friedrich Engels, Die heilige Familie, cit., p. 101.         [ Links ]
37 Carta a P. W. Annenkow, de 28 de dezembro de 1846, in MEW, vol.
XXVII, p. 452.         [ Links ]38 Mikhail Bakunin, Stato e anarquia (1873), in Stato e anarchia e altri scritti (organizado por N. Vincileoni e G. Corradini), Milão, Feltrinelli, 1968, p. 36-37.         [ Links ]39 Karl Marx, Konspekt von Kakunin "Staatlichkeit und Anarchie" (1874-5), in MEW> vol. XVIII, pp. 610-608.         [ Links ]40 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 761-5.         [ Links ]41 Karl Marx, Randglossen zu den Anklagen des Ministerialreskripts (1843), in MEW, Ergänzungsband, 1.1, p. 424.         [ Links ]42 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 761-5.         [ Links ]43 Friedrich Engels, Die Lage der arbeitenden Klasse in England (1845), in MEW, vol. II, pp. 488 e 257.         [ Links ]44 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algerie, cit., p. 97.         [ Links ]45 Friedrich Engels, Die Lage der arbeitenden Klasse in England, cit., pp. 496-98.         [ Links ]46 Friedrich Engels, Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie (1844),in Mew ,vol.I,p.518.         [ Links ]47 T. H. Marshall, Sociology at the Crossroad (1963), tradução italiana de P. Maranini com o título Cittadinanza e classe sociale, Turim, 1976, p. 20.         [ Links ]48 Alexis de Tocqueville, Le systéme pénitentiaire aux Étas-Unis e son application en Francey cit., pp. 319-20.         [ Links ]49 Cfr. H. Brogan, Introduction a Alexis de Tocqueville, Oeuvres completes, cit.,vol.VI/2,p.35.         [ Links ]50 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Mande, Suisse et Algerie, cit., pp. 94, 128 e 133.         [ Links ]51 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algerie, cit., pp. 94-95 e 91.         Links ]
52 Alexis de Tocqueville Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algerie, cit., pp. 91.         [ Links ]
53 Sobre a análise da democracia americana em Tocqueville, e sobre aquela — que veremos nas páginas seguintes — presente em Marx e Engels, cfr. Domenico Lourdo, Democrazia o bonapartismo, cit., pp. 21-26.         
Links ]54 John Stuart Mill, On Liberty (1858), tradução italiana de G. Giorello e M. Mondadori com o título Saggio sulla libertà, Milão, Il Saggiatore, 1981, p. 33.         [ Links ]55 Karl Marx, Misère de la philosophic (1847), tradução alemã in MEW, vol. IV, p. 151.         [ Links ]56 Karl Marx, Das Kapital, cit. p. 788.         [ Links ]57 Karl Marx, Das Kapital, cit., pp. 787 e 730.         [ Links ]58 Resenha de "Le socialisme et l'impôt" par Entile Girardin, Paris 1850, in MEW, vol. VII, p. 288.         [ Links ]59 Karl Marx, Misère de la philosophie, tradução alemã cit., pp. 123-24.         [ Links ]60 Karl Marx, Misère de la philosophie, tradução alemã cit., p. 131.         Links ]
61 Veja-se o esboço preparatório (1878) da Dialektik der Natur, in MEW, vol. XX, p. 307.         [ Links ]
62 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 787.         [ Links ]
63 Karl Marx, Misère de la philosophie, tradução alemã cit., p. 132.         [ Links ]
64 Karl Marx, Misère de la philosophie, tradução alemã cit., p. 132, nota.         [ Links ]
65 Karl Marx, Das Kapital cit., p. 733.         [ Links ]
66 Karl Marx, Lord John Russel (1855), in MEW, vol. XI, p. 392, nota.         [ Links ]
67 Ver os apontamentos de uma conferência de 1867, feita por Marx acerca da questão irlandesa em MEW, vol. XVI, p. 552.
68 Karl Marx, The Future result of British rule in India (8 de agosto de 1853), in Karl Marx & Friedrich Engels, Gesamtausgabe (nova MEGA), Berlim, Dietz, no prelo, vol. 1,12, p. 252 (a traduç         [ 
Links ]ão dos textos ingleses contida nos MEW às vezes deixa algo a desejar).
69 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algerie cit., pp. 128-29 e 169.         [ Links ]
70 Alexis de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algerie cit., pp. 131.         
Links ]71 Cfr. Domenico Losurdo, Democrazia o bonapartismo, cit., pp. 71-72.         [ Links ]72 Karl Marx, Lord Palmerston (1853), in Gesamtausgabe cit., vol. I, 12, p. 395.         [ Links ]73 Karl Marx, Die Klassenkämpfe in Frankreich von 1848 bis 1850 (1850), in MEW, vol. VII, p. 40.         [ Links ]
74 John Locke, Two Treatises of Civil Government (1690), II, § 139.         
Links ]75 Cfr. Domenico Losurdo, Democrazia o bonapartismo, cit., pp. 99-102.         [ Links ]76 Karl Marx & Friedrich Engels, Die deutsche Ideologie (1845-46), in MEW, vol. HI, p. 62.         [ Links ]77 Resenha a "Le socialisme e l'impôt", par Emile Girardin, cit., p. 288.         [ Links ]78 Karl Marx, Misère de la philosophie, tradução alemã, cit., p. 182.         [ Links ]79 Karl Marx, Konspekt von Bakunin "Staatslichkeit und Anarchie ", cit., p. 634.         [ Links ]80 Karl Marx, Ein Komplott gegen die IAA (1874), in MEW, vol. XVIII, pp. 342-3.         [ Links ]
81 Resenha de "Le socialisme e l'impôt", por Emile Girardin, cit., p. 288.         [ Links ]
82 Friedrich Engels, introdução à edição inglesa de Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1892) in MEW, vol. XXII, p. 304;         [ 
Links ] cfr. também Der Ursprung der Familie, des Privateigentums unddes Stoats (1884), in MEW, vol. XXI, p. 166.         [ Links ]
83 É o resultado de um seminário de 25 de maio de 1848, relatado por N. W. Senior: cfr. Alexis de Tocqueville, Oeuvres complètes, cit., vol. VI/2, pp. 242-43.         [ Links ]
84 Cfr. Richard Blackburn, The Overthrow of Colonial Slavery 1776-1848, London-New York, Verso, 1990, p. 279.         [ Links ]
85 Alexis de Tocqueville, De la démocratie en Amérique, tradução italiana cit., p. 413.         [ 
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