Fico feliz por participar deste evento que poderia ser um
relançamento ou mesmo um novo arranque da presença comunista no nosso país.
Quando, há vinte anos, foi criada a Rifondazione Comunista, o clima ideológico
era bem diferente daquele de hoje. Há vinte anos, em Washington, os ideólogos
mais enfáticos proclamavam que a história estava acabada: em todo caso o
capitalismo havia triunfado e os comunistas haviam cometido o erro de ficarem
do lado mau, e mesmo criminoso, da história. Sabemos hoje que estas certezas e
suas mitologias haviam penetrado mesmo no grupo dirigente da Rifondazione
Comunista. Assiste-se assim ao espectáculo grotesco no qual um líder de
primeiro plano [1] aplicou todo o seu talento retórico para demonstrar que os
comunistas haviam errado sempre, sempre provocaram catástrofes tanto na Rússia
como na Itália; e continuavam a errar tanto na China como no Vietname e, em
última análise, mesmo em Cuba. Compreende-se bem o entusiasmo da imprensa
burguesa para com este profeta, para esta prenda vinda do Céu. Mas todos nós
conhecemos o resultado final.
Foi um desastre: pela primeira vez na história da nossa república
os comunistas estão sem representação no parlamento. Pior. Privar as classes
laboriosas da sua história significava privá-las também da sua capacidade para
orientar-se no presente. As classes laboriosas penam hoje para organizar uma
resistência eficaz num momento onde a República fundada sobre o trabalho [2] se
transforma em república fundada sobre o despedimento arbitrário, sobre o privilégio
da riqueza, sobre a corrupção, sobre a venalidade dos cargos públicos. E,
infelizmente, até aqui foi quase inexistente a resistência oposta ao processo
pelo qual a República que repudia a guerra [3] se transforma em república que
participa nas mais infames guerras coloniais. É com este desastre atrás de nós
que nós nos empenhamos hoje no relançamento do projecto comunista.
Disto decorre uma necessidade urgente. E não se trata de uma
necessidade experimentada só pelos comunistas. Vemos o que acontece no país
que, há pouco mais de vinte anos, vira a proclamação do fim da história. As
ruas estão cheias de manifestantes que gritam a sua indignação contra a Wall
Street. Os cartazes não se limitam a denunciar as consequências da crise, ou
seja, o desemprego, a precariedade, a fome, a polarização crescente de riqueza
e pobreza. Estes cartazes vão mais além: eles denunciam o peso decisivo da
riqueza na vida política estado-unidense e desmascaram de facto o mito da
democracia americana. O que dita a lei na república norte-americana é na
realidade a grande finança, é a Wall Street; eis o que gritam os manifestantes.
E certos cartazes vão mais além e bradam a cólera não só contra a Wall Street
mas também contra a War Street. Isto quer dizer que o quarteirão da alta
finança é identificado como sendo ao mesmo tempo o quarteirão da guerra e do
desencadeamento da guerra. Emerge assim, ou começa a emergir, a consciência da
relação entre capitalismo e imperialismo.
Sim, o capitalismo traz ao mesmo tempo crises económicas
devastadoras e guerra infames. Mais uma vez as massas populares e os comunistas
encontram-se diante do dever de enfrentar a crise do capitalismo e sua política
de guerra. Por razões de tempo não me deterei senão sobre este segundo ponto. O
fim da intervenção da NATO na Líbia não é o fim da guerra no Médio Oriente. As
guerras contra a Síria e o Irão já estão em preparativos. Estas guerras, mesmo,
já começaram. O poder de fogo multimediático com a qual o Ocidente tenta
isolar, criminalizar, estrangular e desestabilizar estes dois países está
prestes a transformar-se num poder de fogo verdadeiro, com base em mísseis e
bombas. E nós comunistas devemos desde já fazer ouvir a nossa voz. Se
esperássemos o desencadeamento das hostilidades não estaríamos à altura nem do
movimento comunista nem do movimento antimilitarista, e não seríamos os
herdeiros de Lenine e de Liebknecht. Devemos desde o presente organizar
manifestações contra a guerra e contra os preparativos de guerra; desde o
presente devemos clarificar o facto de que a posição em relação à guerra é um
critério essencial para definir a discriminação entre aliados potenciais e
adversários irredutíveis.
No que se refere à China, Washington, sim, transfere para a Ásia o
grosso do seu dispositivo militar, mas por enquanto não agita de modo explícito
senão a ameaça da guerra comercial. Mas, como é notório, sabe-se como as
guerras comerciais começam mas não se sabe como acabam. Fariam bem em reflectir
sobre este ponto aqueles que, mesmo na esquerda, se alinham na campanha anti
chinesa: eles viram assim as costas à luta pela paz.
Trata-se de uma atitude tanto mais desconcertante pelo facto de a
China ter sido protagonista de uma das maiores revoluções da história
universal. Evidentemente, convém manter em mente os problemas, os desafios, as
contradições mesmo graves que caracterizam o grande país asiático. Mas
clarifiquemos primeiro o quadro histórico. No princípio do século XX a China
era uma parte integrante deste mundo colonial que pôde romper suas cadeias graças
à gigantesca vaga da revolução anticolonialista desencadeada em Outubro de
1917. Vemos como a história se desenvolveu a seguir. Na Itália, na Alemanha, no
Japão, o fascismo e o nazismo foram a tentativa de revitalizar o
neocolonialismo. Em particular, a guerra desencadeada pelo imperialismo
hitleriano e pelo imperialismo japonês respectivamente contra a União Soviética
e contra a China foram as maiores guerras coloniais da história. E portanto
Stalingrado na União Soviética e a Longa Marcha e a guerra de resistência anti
japonesa na China foram duas grandiosas lutas de classe, aquelas que impediram
o imperialismo mais bárbaro de realizar uma divisão do trabalho fundamentado na
redução de grandes povos a uma massa de escravos ou semi-escravos ao serviço da
suposta raça dos senhores.
Mas o que é que se passa hoje? Como já disse, os EUA estão em vias de transferir o grosso do seu dispositivo militar para a Ásia. Leio em telegramas de ontem (28/Outubro/2011) da agência Reuters que uma das acusações aos dirigentes de Pequim é a de promover ou querer impor a transferência de tecnologia do Ocidente para a China. Os EUA teriam desejado manter o monopólio da tecnologia para poderem continuar a exercer uma dominação neocolonial; a luta pela independência manifesta-se também no plano económico. Portanto, revolucionária não é só a longa luta pela qual o povo chinês pôs fim a um século de humilhações e fundou a república popular; nem apenas a edificação económica e social pela qual o Partido Comunista Chinês libertou da fome centenas de milhões de homens e mulheres; mesmo a luta para romper o monopólio imperialista da tecnologia é uma luta revolucionária. Marx nos ensinou. Sim, a luta para modificar a divisão internacional do trabalho imposta pelo capitalismo e pelo imperialismo é em si mesma uma luta de classe. Do ponto de vista de Marx, a luta para ultrapassar no quadro da família a divisão patriarcal do trabalho já é uma luta de emancipação; seria bem estranho que não fosse uma luta de emancipação a luta para por fim ao nível internacional à divisão do trabalho imposta pelo capitalismo e pelo imperialismo, a luta para liquidar definitivamente este monopólio ocidental da tecnologia que não é um dado natural mas o resultado de séculos de dominação e de opressão!
Mas o que é que se passa hoje? Como já disse, os EUA estão em vias de transferir o grosso do seu dispositivo militar para a Ásia. Leio em telegramas de ontem (28/Outubro/2011) da agência Reuters que uma das acusações aos dirigentes de Pequim é a de promover ou querer impor a transferência de tecnologia do Ocidente para a China. Os EUA teriam desejado manter o monopólio da tecnologia para poderem continuar a exercer uma dominação neocolonial; a luta pela independência manifesta-se também no plano económico. Portanto, revolucionária não é só a longa luta pela qual o povo chinês pôs fim a um século de humilhações e fundou a república popular; nem apenas a edificação económica e social pela qual o Partido Comunista Chinês libertou da fome centenas de milhões de homens e mulheres; mesmo a luta para romper o monopólio imperialista da tecnologia é uma luta revolucionária. Marx nos ensinou. Sim, a luta para modificar a divisão internacional do trabalho imposta pelo capitalismo e pelo imperialismo é em si mesma uma luta de classe. Do ponto de vista de Marx, a luta para ultrapassar no quadro da família a divisão patriarcal do trabalho já é uma luta de emancipação; seria bem estranho que não fosse uma luta de emancipação a luta para por fim ao nível internacional à divisão do trabalho imposta pelo capitalismo e pelo imperialismo, a luta para liquidar definitivamente este monopólio ocidental da tecnologia que não é um dado natural mas o resultado de séculos de dominação e de opressão!
Concluo. Vemos nos nossos dias o país-guia do capitalismo
mergulhado numa profunda crise económica e cada vez mais desacreditado ao nível
internacional. Ao mesmo tempo, ele continua a agarrar-se à pretensão de ser o
povo eleito por Deus e a aumentar febrilmente seu aparelho de guerra já
monstruoso, assim como a estender sua rede de bases militares por todos os
cantos do mundo. Tudo isso não promete nada de bom. É a concomitância de
perspectivas prometedoras e de ameaças terríveis que torna urgente a construção
e o reforço dos partidos comunistas. Espero vivamente que o partido que hoje
construímos venha a estar à altura dos seus deveres.
Rimini, 29/Outubro/2011
(1) Fausto Bertinotti, durante muito tempo secretário-geral do
Partito della Rifondazione Comunista (NdT)
(2) Artigo 1 da Constituição italiana: "A Itália é uma república fundamentada no trabalho"
(3) Artigo 11 da Constituição italiana: "A Itália repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais".
(2) Artigo 1 da Constituição italiana: "A Itália é uma república fundamentada no trabalho"
(3) Artigo 11 da Constituição italiana: "A Itália repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais".