São Paulo: Boitempo, 2010.
Diego Pautasso1
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O livro “A Linguagem do Império”, representa uma importante contribuição para a área de Relações Internacionais. Embora o autor Domenico Losurdo, professor italiano radicado na Universidade de Urbino, seja filósofo, o tema proposto neste livro discute o poder da ideologia e do discurso na imposição de práticas imperiais. O grande mérito da obra é realizar uma crítica contundente dos discursos maniqueístas que se apresentam como universais mas que, na realidade, buscam legitimar a supremacia de determinadas estruturas de poder. Para tanto, o autor recorre à extensa e qualificada bibliografia, e em muitas oportunidades busca explorar as contradições no seio do próprio discurso dominante. A obra aborda seis grandes conceitos e um tema, um em cada capítulo: Terrorismo, Fundamentalismo, Antiamericanismo, Antissemitismo, Antissionismo e Filoislamismo, além do Ódio contra o Ocidente. Cada conceito encerra o caráter polissêmico e ideológico crucial para reafirmar interesses sem produzir reações críticas. O conceito de terrorismo, por exemplo, tornou-se instrumento para desencadear a “guerra ao terror”, mas ao mesmo tempo para esconder a
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desumanização dos presídios de Guantánamo e Abu Ghraib e o massacre contra populações civis iraquianas e afegãs. Quando a prática desumana está associada a quem produz o discurso, naturalmente esta não aparece como “terror”. Foram os casos do uso de violência arbitrária promovida por serviços secretos (CIA) e esquadrões de mortes, por transformação de sociedades em reféns através de embargos, por destruições militares sistemáticas (Dresden, Hiroshima e Nagasaki), entre outras. Ao mesmo tempo, não se percebe o ato de terror como a luta desesperada de quem não possui outros meios, como frequentemente é o caso dos palestinos (LOSURDO, 2010, p. 43). No caso do fundamentalismo, o termo que apareceu, primeiro como autodesignação orgulhosa no coração do Ocidente (EUA), tornou-se categoria chave para relacioná-lo aos “bárbaros”. Para tanto, conforma Losurdo (2010, p. 63; 69), foi crucial associá-lo de forma simplificada à pré-modernidade, assim como dissociar o Ocidente da histórica oposição aos regimes modernizantes no mundo islâmico (Mossadeg no Irã, Nasser no Egito, Arafat na Palestina). Enfim, “a guerra santa do islã apresenta-se como a resposta à guerra santa do Ocidente, que de modo errôneo se arvora em lugar da racionalidade leiga e antidogmática” (LOSURDO, 2010, p. 96). É ilustrativo o tom religioso dos discursos dos presidentes dos EUA acerca da atuação internacional do país, numa simbiose entre missão imperial e fundamentalismo cristão. Na verdade, “estamos na presença de uma tradição política que se exprime com uma linguagem explicitamente teológica” (LOSURDO, 2010, p. 111). Não raro o discurso de líderes norte-americanos se assemelha às palavras de ordem dos grupos rotulados como fundamentalistas inconsequentes. Da mesma forma, os conceitos de antiamericanismo, antissemitismo e antissionismo são mais complexos e difusos do que aparentam. Como exemplo, o autor chama a atenção para o fato que, de um lado, o marxismo (Marx, Engels, Lênin, Gramsci, etc.) possuía notável simpatia pelos avanços produtivos e institucionais do Ocidente e, de outro, os fundamentos do nazismo têm suas bases no white supremacy norte-americano. O Estado racial alemão criou suas bases conceituais e visualizou suas experiências na história dos EUA, isto reconhecido pelos próprios teóricos do nazismo, tais como Himmler. As questões religiosas e raciais também são repletas de complexidade e reviravoltas. As relações judaico-cristãs estiveram imersas em controvérsias. Na
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Idade Média, os judeus foram discriminados negativamente em relação aos cristãos e positivamente em relação aos islâmicos. Judeufobia religiosa e antissemitismo racial evoluíram de forma diferente, ressalta Losurdo (2010, p. 150). Os conceitos e categorias são repletos de metamorfoses e, portanto, oscilam conforme os contextos históricos e as dinâmicas de poder. Com o filoislamismo não é diferente. Ironicamente, houve uma separação dos povos semitas (árabes e judeus): os judeus deixaram de ser minorias perseguidas e viraram “brancos” a pertencer à civilização Ocidental; já os árabes permaneceram “negros”. Como afirma Losurdo (2010, p. 215), “no banco dos réus Alá toma o lugar de Javé”. Não é incomum observar a elite (e a sociedade) israelense reproduzir o racismo colonial de que antes fora vítima, isto é, aniquilar os palestinos com deportação, expropriação e segregação. Outro ponto problematizado por Losurdo refere-se ao suposto ódio contra o Ocidente. O autor começa afirmando que há fraquezas no próprio conceito de Ocidente, pois suas fronteiras foram mutantes e incertas ao longo da história. Na verdade, não é real nem necessária a pretensão de afirmar uma primazia ocidental sobre o mundo. A tentativa de demonstrar a primazia mesclase com concepções racistas que tendem a dividir o mundo em duas esferas: de um lado, bárbaros, terroristas, fundamentalistas, negróides/pardos, autoritários e/ ou islâmicos e, de outro, civilizados, modernos, democráticos, judaico-cristãos, etc. Compreender como conceitos e discursos ocultam e justificam interesses internacionais nem sempre legítimos é a principal contribuição de Losurdo nesta obra. A relação entre valores e discursos universais se contrapõe, de forma complexa e contraditória, com Estados e identidades nacionais. Aliás, com o fim da Guerra Fria, o alargamento conceitual das ameaças à segurança correspondeu também à ampliação dos princípios legitimadores de imposição de interesses pelo recurso à força. Em outras palavras, ‘intervenção humanitária’, ‘ataque preventivo’ e ‘direito de proteger’ tornaram-se instrumentos ideológicos que aprofundaram a arbitrariedade do poder, fragilizaram a soberania dos países menos desenvolvidos e, consequentemente, recrudesceram o etnocentrismo e o chauvinismo exacerbados. É fundamental apreender a problemática sugerida pelo autor e analisar a evolução das relações internacionais. Cabe, pois, terminar com uma longa citação do livro de Losurdo (2010, p. 94; 95; 284) capaz de iluminar nossa reflexão e provocar a leitura integral da obra:
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A história coloca-nos continuamente na presença de movimentos nos quais – ainda que de modo confuso, turvo e, às vezes, bárbaro – se agitam aspirações legítimas à independência nacional ou à recuperação de uma identidade cultural e de uma dignidade humana há muito tempo oprimida. [...] Nesse sentido, a regeneração (o processo real de libertação da ocupação estrangeira) une-se a uma reação (a ideologia confusa e turva que acompanha tal processo e que é precursora de sucessivas involuções e regressões). Não satisfeito com seu monstruoso aparato militar, Washington arvora-se também em suprema autoridade moral e religiosa. Desde sempre acostumado a sancionar suas “doutrinas” (a linguagem teológica não é nova), agora, mais do que nunca, prega a cruzada, às vezes no sentido literal do termo, e pretende ter a própria Igreja católica subalterna a ele. As categorias centrais da atual ideologia da guerra são ao mesmo tempo as proclamações de excomunhão do império que aspira a ser mundial.
1 Doutor e Mestre em Ciência Política; graduado em Geografia pela UFRGS. Atualmente, é professor de Relações Internacionais da ESPM-Sul. E-mail: dpautasso@espm.br