E isto não acaba aqui. Ainda no Oriente, a sombra ameaçadora de invasão ou de bombardeamentos paira agora sobre a Síria e o Irã, enquanto o espectro de uma ''terceira guerra mundial'', com recurso a armamento nuclear mais ou menos ''tático'': tudo graças à política não apenas de Washington mas também de Londres. Será mesmo necessário recompensar com um convite à realização dos Jogos, que deveriam ser sinónimos de convivência pacífica entre nações, uma capital que se distingue pela sua arrogância imperial e a sua política de guerra?
De seguida, li o artigo publicado em La Repubblica de 16 de outubro: não, Asor Rosa volta-se apenas contra os Jogos de Pequim, e ameaça o seu boicote repetindo todos os lugares comuns da ideologia dominante. O extraordinário esforço de um país, que num curto espaço de tempo assegurou o direito à vida a centenas de milhões de homens, é desdenhosamente liquidado como a ''máquina do desenvolvimento e da exploração econômica'' posta em marcha pela sua ''estrutura centralista e autoritária''. Sem se aperceber, Asor Rosa torna-se apologista enfático do sistema político que ele pensa no entanto condenar: seria difícil legitimar a ''estrutura centralista e autoritária'', se esta fosse suficiente por si só para salvar a massa imensa de homens que ainda sofrem de fome e morrem, no Terceiro Mundo.
Na verdade, as coisas são bem diferentes. A ''estrutura centralista e autoritária'' não está certamente ausente de um país como o Egito, que, no entanto, continua a esperar e a depender da farinha americana: para a obter, Murabak tem de se submeter à política de guerra e de opressão que os Estados Unidos e Israel conduzem no Oriente Médio. O caso da China é bem diferente pois, ao sair do subdesenvolvimento, leva simultaneamente a bom termo o plano econômico e a independência política obtida depois de uma épica luta de libertação nacional.
É por essa razão que está em curso uma espécie de cruzada contra o grande país asiático, cruzada à qual se associa também Asor Rosa. Ei-lo listando uma série de ''valores absolutos'' e de ''direitos universais'' (liberdade de expressão, de culto, de associação, etc.), todos, ao que parece, sistematicamente violados por Pequim.
Os sindicatos na China
As ''liberdades sindicais'' também seriam reprimidas. E a desenvoltura que caracteriza o artigo no seu todo torna-se aqui mais evidente do que nunca. Foi justamente na China que a líder mundial da grande distribuição, a Walt Mart, foi obrigada a reconhecer aos seus assalariados o direito à associação sindical que ela continua a recusar no mundo inteiro e nos Estados Unidos em primeiro lugar. Sim, objetar-se-á, mas nas lojas chinesas apenas o sindicato oficial é tolerado e geralmente é acusado de pouco atuar na luta por aumentos salariais. Mas será esta acusação convincente?
No grande país asiático, todos os anos, entre 10 e 15 milhões de habitantes abandonam o campo (superpovoado e ainda atrasado) para se instalarem na cidade (incluindo essas novas cidades que emergem do nada): nessas condições, mesmo a CGIL (a maior central sindical italiana) do grande Di Vittorio teria posto a tónica nos postos de trabalho e, consequentemente, na expansão da economia.
E no entanto – lamenta-se o Wall Street Journal-Europe de 6 de Junho de 2007 – ''há vários anos que os salários chineses aumentam sem interrupção num ritmo anual de 10%''. A taxa de crescimento conheceria uma aceleração ulterior: também por causa da melhoria das condições de vida nos campos, os emigrados, atualmente, ''aspiram a salários 16% mais elevados do que no ano anterior'' e exigem e conseguem arrancar também alguns benefícios e melhorias ulteriores.
Mais impressionantes ainda são os dados publicados pelo semanário alemão Die Zeit de 18 de Outubro, num artigo de Georg Blume: ''Neste momento, os salários mais baixos aumentam 30% por ano, enquanto a receita média progride para 14%, portanto, mais rapidamente que uma economia que no entanto se desenvolve de maneira muito dinâmica''. É verdade, o custo do trabalho aumenta mais lentamente, mas apenas por causa do desenvolvimento rápido da produtividade.
Bem vistas as coisas, apesar de todos os seus limites e atrasos, o sindicato oficial chinês revela-se claramente mais maduro que os seus críticos (inclusive os de ''esquerda''): ele apela à classe trabalhadora para que não se feche dentro de um corporativismo estreito, para ser, ao contrário, a protagonista do processo de industrialização e de modernização do gigantesco país asiático na sua totalidade; protagonista da luta nacional para a aquisição das tecnologias mais avançadas, de modo a não reforçar apenas a independência da China mas também a romper com o monopólio detido até agora nesse domínio pelo Ocidente. É igualmente graças à deterioração desse monopólio e à possibilidade de aceder a produtos cada vez mais sofisticados e à tecnologia em rápido desenvolvimento da República Popular da China, que países como Cuba e a Venezuela conseguem resistir à política de estrangulamento econômico posta em marcha por Washington. Eles sabem bem disso, os círculos imperialistas largamente implicados na política de isolamento do gigante asiático: é através desse isolamento que passa a reafirmação da doutrina Monroe na América Latina e a imposição da hegemonia estado-unidense no mundo.
Uma estranha idéia de democracia
Asor Rosa sobrevoa tudo isto de muito alto. Entre os ''valores absolutos'' e os ''direitos universais'' que ele enumera, não figuram nem o direito à paz nem o direito de as nações beneficiarem da democracia nas relações internacionais e não terem de se sujeitar à lei do mais forte. São assim ignorados ou afastados os ''valores absolutos'' e os ''direitos universais'' apagados pelos aspirantes a patrões do mundo, os quais, graças precisamente a esse apagamento, podem atribuir-se a missão de exportar a democracia para o mundo inteiro, tendo recurso a todos os meios, incluindo embargos econômicos, ameaças de todo o tipo e agressões militares reais.
Despreocupado com tudo isso, Asor Rosa convida a Itália (e indiretamente o ''Ocidente democrata capitalista'') a lançar um ultimato: se no dia da abertura dos Jogos, ''todos os órgãos da imprensa e televisão chineses'' não tornarem público ''um documento a favor dos direitos universais de expressão e de associação'', os Jogos Olímpicos de Pequim serão boicotados.
Uma visão singular da democracia torna-se clara aqui: não apenas os dirigentes do Comité Olímpico internacional, mas também o secretário-geral da ONU, eleito pelos representantes dos países do mundo inteiro, se pronunciaram repetidamente e com força contra a ideia do boicote. Asor Rosa, ao contrário, atribui em última análise às ex-potências o direito soberano de julgar e punir um país outrora por eles atingido, através de agressões militares repetidas e infames. É uma atitude ainda mais assombrosa que esse mesmo Asor Rosa reconheça que na China apenas uma ''minoria da população'' pense como ele; e, no entanto, em nome do ''valor absoluto'' da democracia, a maioria dos habitantes do país mais populoso do mundo é chamada a inclinar-se perante a vontade das grandes potências ocidentais (e do grande intelectual romano)!
Mas concentremo-nos nos ''direitos universais de expressão e de associação'', em nome dos quais é lançado o ultimato. Por um lado, Asor Rosa ignora os notáveis progressos realizados pela China, em condições difíceis, nesse domínio. Nos anos 70 do século 20, Deng Xiaoping sublinhava a importância do governo da lei; ao contrário, a ''nova esquerda'' italiana e ocidental continuava a celebrar a Revolução Cultural que, neste aspecto, juntamente com o socialismo realista, olhava as liberdades e garantias ''formais'' com um desprezo soberano. Entretanto, a tutela dos direitos do Homem foi inserida na Constituição chinesa. Não se trata de um gesto ''formal'' ou de um caso isolado: no país está em curso a tradução sistemática dos grandes textos da cultura ocidental, inclusive os comprometidos em larga medida com a teorização dos direitos do Homem, problemática que tende a adquirir a dignidade de disciplina universitária. De forma cada vez mais geral, vê-se crescer rapidamente o número de organizações não governamentais, de jornais, de universidades, de estudantes e diplomados que estudam no Ocidente, e de professores ocidentais chamados a ensinar nas universidades chinesas.
Claro que o caminho a percorrer ainda é longo, e o grande país asiático não se quer abrir imediatamente à ''democracia'' da mesma forma que o fizeram a Iugoslávia e a Rússia: países que sofreram uma catástrofe econômica, social, nacional e humanitária, com um Ocidente sem escrúpulos pronto a tirar lucros a fim de alargar a sua esfera de influência e de domínio.
Mas enquanto ignora, por um lado, os progressos feitos pela China mesmo no âmbito dos ''direitos universais de expressão e de associação'', por outro lado Asor Rosa embeleza o comportamento da Itália e do Ocidente ''democrático e capitalista''. Mas quem é que, na Primavera de 1999, assassinou com bombardeamentos aéreos os jornalistas jugoslavos culpados de não partilhar da opinião das cimeiras e dos ideólogos da NATO e de se obstinar a condenar a agressão sofrida pelo seu país? E quantos jornalistas foram ''acidentalmente'' mortos pelas forças de ocupação no Iraque ou na Palestina? Será que os habitantes de Gaza se beneficiam dos ''direitos universais de expressão e de associação'', os quais, depois de terem votado no Hamas no decurso de eleições livres, se vêem agora condenados ao boicote, ao estrangulamento econômico e ao embargo? Para terminar: os árabes e os muçulmanos que nos Estados Unidos ousem contribuir com uma subscrição a favor da população da Gaza e do Hamas arriscam-se a ser perseguidos e condenados como ''terroristas''.
Clinton, ao pronunciar o discurso que inaugurava o seu primeiro mandato presidencial, exaltava os Estados Unidos como sendo a mais antiga democracia do mundo e portanto como o país chamado a ''conduzir o mundo'' na via da liberdade, no quadro de uma missão ''sem prazo'', Naturalmente, o presidente estadunidense não fazia referência nem ao aniquilamento dos peles vermelhas, nem ao regime de escravatura e de opressão racial infligida durante séculos aos negros, nem à repressão impiedosa e às práticas de genocídio postas em prática pelos Estados Unidos nas suas verdadeiras colônias (Filipinas) e nas suas semi-colônias na América Latina.
Asor Rosa argumenta da mesma maneira. Quando ele propõe, em matéria de ''direitos universais de expressão e de associação'' erigir um tribunal, no âmbito do qual a China é acusada e a Itália e o Ocidente ''democrático e capitalista'' são os juízes, ele suprime do quadro as infâmias antidemocráticas que ainda hoje mancham o Ocidente quando se trata de dobrar a resistência dos países e dos povos que ele entende poder submeter ao seu domínio.
É um traço característico da falsa consciência do Ocidente abstrair-se da sorte reservada às suas vítimas para se poder autocelebrar como lugar de liberdade; e é a partir dessa falsa consciência que o Ocidente pode fazer passar as suas guerras de contrabando como uma contribuição para a difusão da democracia. Asor Rosa faria bem em refletir sobre tudo isto. Seria triste ver um prestigiado intelectual de esquerda enveredar pelo caminho da tradição cultural pró-colonialista e pró-imperialista, e tornar-se um ideólogo da guerra (quer seja fria ou quente)!
* Filósofo e historiador em Urbino, autor de numerosas obras; o original encontra-se em L'Ernesto. Rivista comunista
De seguida, li o artigo publicado em La Repubblica de 16 de outubro: não, Asor Rosa volta-se apenas contra os Jogos de Pequim, e ameaça o seu boicote repetindo todos os lugares comuns da ideologia dominante. O extraordinário esforço de um país, que num curto espaço de tempo assegurou o direito à vida a centenas de milhões de homens, é desdenhosamente liquidado como a ''máquina do desenvolvimento e da exploração econômica'' posta em marcha pela sua ''estrutura centralista e autoritária''. Sem se aperceber, Asor Rosa torna-se apologista enfático do sistema político que ele pensa no entanto condenar: seria difícil legitimar a ''estrutura centralista e autoritária'', se esta fosse suficiente por si só para salvar a massa imensa de homens que ainda sofrem de fome e morrem, no Terceiro Mundo.
Na verdade, as coisas são bem diferentes. A ''estrutura centralista e autoritária'' não está certamente ausente de um país como o Egito, que, no entanto, continua a esperar e a depender da farinha americana: para a obter, Murabak tem de se submeter à política de guerra e de opressão que os Estados Unidos e Israel conduzem no Oriente Médio. O caso da China é bem diferente pois, ao sair do subdesenvolvimento, leva simultaneamente a bom termo o plano econômico e a independência política obtida depois de uma épica luta de libertação nacional.
É por essa razão que está em curso uma espécie de cruzada contra o grande país asiático, cruzada à qual se associa também Asor Rosa. Ei-lo listando uma série de ''valores absolutos'' e de ''direitos universais'' (liberdade de expressão, de culto, de associação, etc.), todos, ao que parece, sistematicamente violados por Pequim.
Os sindicatos na China
As ''liberdades sindicais'' também seriam reprimidas. E a desenvoltura que caracteriza o artigo no seu todo torna-se aqui mais evidente do que nunca. Foi justamente na China que a líder mundial da grande distribuição, a Walt Mart, foi obrigada a reconhecer aos seus assalariados o direito à associação sindical que ela continua a recusar no mundo inteiro e nos Estados Unidos em primeiro lugar. Sim, objetar-se-á, mas nas lojas chinesas apenas o sindicato oficial é tolerado e geralmente é acusado de pouco atuar na luta por aumentos salariais. Mas será esta acusação convincente?
No grande país asiático, todos os anos, entre 10 e 15 milhões de habitantes abandonam o campo (superpovoado e ainda atrasado) para se instalarem na cidade (incluindo essas novas cidades que emergem do nada): nessas condições, mesmo a CGIL (a maior central sindical italiana) do grande Di Vittorio teria posto a tónica nos postos de trabalho e, consequentemente, na expansão da economia.
E no entanto – lamenta-se o Wall Street Journal-Europe de 6 de Junho de 2007 – ''há vários anos que os salários chineses aumentam sem interrupção num ritmo anual de 10%''. A taxa de crescimento conheceria uma aceleração ulterior: também por causa da melhoria das condições de vida nos campos, os emigrados, atualmente, ''aspiram a salários 16% mais elevados do que no ano anterior'' e exigem e conseguem arrancar também alguns benefícios e melhorias ulteriores.
Mais impressionantes ainda são os dados publicados pelo semanário alemão Die Zeit de 18 de Outubro, num artigo de Georg Blume: ''Neste momento, os salários mais baixos aumentam 30% por ano, enquanto a receita média progride para 14%, portanto, mais rapidamente que uma economia que no entanto se desenvolve de maneira muito dinâmica''. É verdade, o custo do trabalho aumenta mais lentamente, mas apenas por causa do desenvolvimento rápido da produtividade.
Bem vistas as coisas, apesar de todos os seus limites e atrasos, o sindicato oficial chinês revela-se claramente mais maduro que os seus críticos (inclusive os de ''esquerda''): ele apela à classe trabalhadora para que não se feche dentro de um corporativismo estreito, para ser, ao contrário, a protagonista do processo de industrialização e de modernização do gigantesco país asiático na sua totalidade; protagonista da luta nacional para a aquisição das tecnologias mais avançadas, de modo a não reforçar apenas a independência da China mas também a romper com o monopólio detido até agora nesse domínio pelo Ocidente. É igualmente graças à deterioração desse monopólio e à possibilidade de aceder a produtos cada vez mais sofisticados e à tecnologia em rápido desenvolvimento da República Popular da China, que países como Cuba e a Venezuela conseguem resistir à política de estrangulamento econômico posta em marcha por Washington. Eles sabem bem disso, os círculos imperialistas largamente implicados na política de isolamento do gigante asiático: é através desse isolamento que passa a reafirmação da doutrina Monroe na América Latina e a imposição da hegemonia estado-unidense no mundo.
Uma estranha idéia de democracia
Asor Rosa sobrevoa tudo isto de muito alto. Entre os ''valores absolutos'' e os ''direitos universais'' que ele enumera, não figuram nem o direito à paz nem o direito de as nações beneficiarem da democracia nas relações internacionais e não terem de se sujeitar à lei do mais forte. São assim ignorados ou afastados os ''valores absolutos'' e os ''direitos universais'' apagados pelos aspirantes a patrões do mundo, os quais, graças precisamente a esse apagamento, podem atribuir-se a missão de exportar a democracia para o mundo inteiro, tendo recurso a todos os meios, incluindo embargos econômicos, ameaças de todo o tipo e agressões militares reais.
Despreocupado com tudo isso, Asor Rosa convida a Itália (e indiretamente o ''Ocidente democrata capitalista'') a lançar um ultimato: se no dia da abertura dos Jogos, ''todos os órgãos da imprensa e televisão chineses'' não tornarem público ''um documento a favor dos direitos universais de expressão e de associação'', os Jogos Olímpicos de Pequim serão boicotados.
Uma visão singular da democracia torna-se clara aqui: não apenas os dirigentes do Comité Olímpico internacional, mas também o secretário-geral da ONU, eleito pelos representantes dos países do mundo inteiro, se pronunciaram repetidamente e com força contra a ideia do boicote. Asor Rosa, ao contrário, atribui em última análise às ex-potências o direito soberano de julgar e punir um país outrora por eles atingido, através de agressões militares repetidas e infames. É uma atitude ainda mais assombrosa que esse mesmo Asor Rosa reconheça que na China apenas uma ''minoria da população'' pense como ele; e, no entanto, em nome do ''valor absoluto'' da democracia, a maioria dos habitantes do país mais populoso do mundo é chamada a inclinar-se perante a vontade das grandes potências ocidentais (e do grande intelectual romano)!
Mas concentremo-nos nos ''direitos universais de expressão e de associação'', em nome dos quais é lançado o ultimato. Por um lado, Asor Rosa ignora os notáveis progressos realizados pela China, em condições difíceis, nesse domínio. Nos anos 70 do século 20, Deng Xiaoping sublinhava a importância do governo da lei; ao contrário, a ''nova esquerda'' italiana e ocidental continuava a celebrar a Revolução Cultural que, neste aspecto, juntamente com o socialismo realista, olhava as liberdades e garantias ''formais'' com um desprezo soberano. Entretanto, a tutela dos direitos do Homem foi inserida na Constituição chinesa. Não se trata de um gesto ''formal'' ou de um caso isolado: no país está em curso a tradução sistemática dos grandes textos da cultura ocidental, inclusive os comprometidos em larga medida com a teorização dos direitos do Homem, problemática que tende a adquirir a dignidade de disciplina universitária. De forma cada vez mais geral, vê-se crescer rapidamente o número de organizações não governamentais, de jornais, de universidades, de estudantes e diplomados que estudam no Ocidente, e de professores ocidentais chamados a ensinar nas universidades chinesas.
Claro que o caminho a percorrer ainda é longo, e o grande país asiático não se quer abrir imediatamente à ''democracia'' da mesma forma que o fizeram a Iugoslávia e a Rússia: países que sofreram uma catástrofe econômica, social, nacional e humanitária, com um Ocidente sem escrúpulos pronto a tirar lucros a fim de alargar a sua esfera de influência e de domínio.
Mas enquanto ignora, por um lado, os progressos feitos pela China mesmo no âmbito dos ''direitos universais de expressão e de associação'', por outro lado Asor Rosa embeleza o comportamento da Itália e do Ocidente ''democrático e capitalista''. Mas quem é que, na Primavera de 1999, assassinou com bombardeamentos aéreos os jornalistas jugoslavos culpados de não partilhar da opinião das cimeiras e dos ideólogos da NATO e de se obstinar a condenar a agressão sofrida pelo seu país? E quantos jornalistas foram ''acidentalmente'' mortos pelas forças de ocupação no Iraque ou na Palestina? Será que os habitantes de Gaza se beneficiam dos ''direitos universais de expressão e de associação'', os quais, depois de terem votado no Hamas no decurso de eleições livres, se vêem agora condenados ao boicote, ao estrangulamento econômico e ao embargo? Para terminar: os árabes e os muçulmanos que nos Estados Unidos ousem contribuir com uma subscrição a favor da população da Gaza e do Hamas arriscam-se a ser perseguidos e condenados como ''terroristas''.
Clinton, ao pronunciar o discurso que inaugurava o seu primeiro mandato presidencial, exaltava os Estados Unidos como sendo a mais antiga democracia do mundo e portanto como o país chamado a ''conduzir o mundo'' na via da liberdade, no quadro de uma missão ''sem prazo'', Naturalmente, o presidente estadunidense não fazia referência nem ao aniquilamento dos peles vermelhas, nem ao regime de escravatura e de opressão racial infligida durante séculos aos negros, nem à repressão impiedosa e às práticas de genocídio postas em prática pelos Estados Unidos nas suas verdadeiras colônias (Filipinas) e nas suas semi-colônias na América Latina.
Asor Rosa argumenta da mesma maneira. Quando ele propõe, em matéria de ''direitos universais de expressão e de associação'' erigir um tribunal, no âmbito do qual a China é acusada e a Itália e o Ocidente ''democrático e capitalista'' são os juízes, ele suprime do quadro as infâmias antidemocráticas que ainda hoje mancham o Ocidente quando se trata de dobrar a resistência dos países e dos povos que ele entende poder submeter ao seu domínio.
É um traço característico da falsa consciência do Ocidente abstrair-se da sorte reservada às suas vítimas para se poder autocelebrar como lugar de liberdade; e é a partir dessa falsa consciência que o Ocidente pode fazer passar as suas guerras de contrabando como uma contribuição para a difusão da democracia. Asor Rosa faria bem em refletir sobre tudo isto. Seria triste ver um prestigiado intelectual de esquerda enveredar pelo caminho da tradição cultural pró-colonialista e pró-imperialista, e tornar-se um ideólogo da guerra (quer seja fria ou quente)!
* Filósofo e historiador em Urbino, autor de numerosas obras; o original encontra-se em L'Ernesto. Rivista comunista