MARX, A TRADIÇÃO LIBERAL E A
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO UNIVERSAL DE HOMEM*
Domenico Losurdo**
Resumo: O artigo visa mostrar que a "construção histórica do conceito universal de homem", corretamente vinculada ao ideário e à política liberais, tem uma dívida substantiva com a tradição democrática radical inaugurada pela fase jacobina da Revolução Francesa, continuada e aprofundada nas idéias do movimento socialista dos séculos XIX e XX. Para tal, examina a noção limitada de "direitos do homem" presente no pensamento liberal, em oposição àquela "efetivamente" universalista construída pela linhagem hegeliana-marxiana. Após discutir as mudanças introduzidas na política liberal pela "contaminação" socialista, o texto termina apontando para os perigos – escritos nos atuais rumos da economia mundial – de um "regresso", pela exclusão de grandes contingentes de indivíduos da condição e do "conceito" de homem.
Palavras-Chave: Liberalismo, socialismo, democracia, direitos do homem, liberdade, igualdade.
1. Os "Direitos Sociais e Econômicos" e a Revolução de Outubro
Criticando a construção teórica feita por Roosevelt sobre "libertar-se da necessidade" e, a seguir, inserindo-a numa linha de continuidade com a formulação teórica dos "direitos sociais e econômicos", que encontra sua expressão na Declaração Universal dos Direitos do Homem adotada pela ONU em 1948, Hayek observa: "Esse documento constitui abertamente uma tentativa de fundir os direitos da tradição liberal ocidental com a concepção, completamente diferente, da revolução marxista russa".1 A afirmação pode parecer, sabemos, ser a relação liberdade-igualdade. Além de certo limite, a desigualdade nas condições econômico-sociais acaba anulando a liberdade, por mais que esta esteja solenemente garantida e consagrada em nível jurídico-formal. Por trás de Marx, está em ação o ensinamento de Hegel, e já a este último deve-se uma configuração clara e convincente dessa questão: quem sofre de fome desesperada, chegando a correr o risco de morrer de inanição, está numa condição de "total falta de direitos", ou seja, numa condição que, em última análise, não difere substancialmente da situação do escravo.2
A consciência desse fato transparece, às vezes, da própria tradição liberal, mas como confissão involuntária. Por que, segundo Constant, o trabalhador assalariado deve ser excluído dos direitos políticos? Mas é claro: "Os proprietários são donos de sua existência, porque podem negar-lhe trabalho".3 Durante sua viagem à Inglaterra em 1833, ao deparar com uma espantosa miséria de massa, em gritante contraste com a opulência de poucos, Tocqueville deixa escapar uma espécie de exclamação: "Aqui o escravo, lá o patrão, lá a riqueza de alguns, aqui a miséria da maioria".4 Há, portanto, uma relação entre igualdade e liberdade, ou melhor, entre extrema desigualdade material e servidão substancial. Mas a tese implícita na exclamação que escapou num momento de descuido é logo rejeitada e sistematicamente refutada pelo teórico liberal, que contrapõe liberdade e igualdade, chegando a acusar o movimento socialista (e a própria Revolução Francesa) de sacrificar a primeira no altar da segunda. "Quem, na liberdade, procura outra coisa além dela, foi feito para servir".5 "Libertar-se da necessidade", tal como formulado por Roosevelt, resulta tão intolerável para Tocqueville quanto para Hayek, pois efetivamente remete a uma tradição política diferente, a autores que a tradição liberal vê com desconfiança e hostilidade (na França, remete a Rousseau e ao jacobinismo; na Alemanha, a Hegel, que foi o primeiro a falar em "direitos materiais",6 e sobretudo a Marx, que reúne e unifica em si a herança da filosofia clássica alemã e a do filão rousseauniano-jacobino).
E hoje? Quem fala, mais ou menos explicitamente, em "direitos sociais e econômicos" não é só a ONU – a qual, é verdade, com um pouco de boa vontade e para grande satisfação de Hayek, poderíamos tentar excluir do Ocidente "autêntico". E dúvidas quanto à autenticidade ocidental também poderiam ser levantadas acerca da Constituição da República Italiana (nascida graças à decisiva contribuição de socialistas e comunistas), a qual institui uma relação entre a liberdade e a remoção dos "obstáculos de ordem econômica e social" que anulam ou podem ameaçar a existência de tal liberdade. Então, vamos deixar de lado a ONU e a Itália e referir-nos exclusivamente ao mundo anglo-saxônico. Tomemos um autor como Rawls. Sim, o próprio teórico norte-americano, que subordina a igualdade à liberdade, submete a uma importante cláusula limitativa o princípio que formula, mas que só considera válido "acima de um nível de renda mínimo",7 e que, portanto, na realidade, não tem validade, pelo menos para o Terceiro Mundo (a maior parte da humanidade). Aliás, se tomarmos ao pé da letra a cláusula limitativa de Rawls, a propriedade da liberdade sobre a igualdade estaria comprometida até nos países capitalistas adiantados, e em particular nos próprios Estados Unidos, onde assistimos ao "aumento do percentual de pobres"8 e à extensão dos bolsões de miséria e até de desnutrição.9
Pessoalmente, continuo achando mais convincente a formulação dada por Marx (e, antes, por Hegel) para essa questão: abaixo de "um nível de renda mínimo", não é que fique abalada, ou caia, a prioridade da liberdade em relação à igualdade, é que a liberdade não existe concretamente. Isto é, a construção da liberdade é indissolúvel da construção de um mínimo de igualdade. É nesse sentido que Roosevelt associa "libertar-se da necessidade" às outras liberdades civis e políticas fundamentais. E no entanto, apesar da formulação diferente e menos rigorosa, da cláusula limitativa ao princípio formulado por Rawls depreende-se claramente que a realização da liberdade concreta não se dá num espaço asséptico, sem relação com as condições materiais de vida, com o "nível de renda mínimo". Reaparece aí o princípio de "libertar-se da necessidade", no qual, com certa razão, Hayek sente um cheiro de socialismo e marxismo, embora depois, com o exagero típico de conservador, chegue até a bradar ao perigo de bolchevismo!
2. A Crítica de Marx à Sociedade Burguesa Liberal e sua Eficácia Histórica
Mas Hayek, a quem não se poderá negar rigor e coerência, vê com mal disfarçada desconfiança um autor como Rawls.10 Nem mesmo os Estados Unidos estão imunes à contaminação socialista do Ocidente que esse teórico neoliberal não se cansa de denunciar. Aliás, foi justamente nesse país que se manifestou o hábito funesto, posteriormente disseminado até na Europa, de usar o termo "liberal" para designar "aspirações de natureza essencialmente socialista".11 Será conveniente, então, recorrer a um autor que Hayek reivindica sem reservas, em sua apologia do que ele chama de "grande sociedade", ou "sociedade aberta", na expressão de Popper.12 Pois bem, é justamente este último autor quem nos diz:
"Mesmo que o Estado proteja seus cidadãos do risco de serem oprimidos por violência física (como acontece, em princípio, sob o sistema de capitalismo selvagem), pode estar falhando com relação a nossos objetivos se não conseguir protegê-los do abuso de poder econômico. Num Estado desse tipo, quem é economicamente forte ainda pode oprimir e privar de sua liberdade quem é economicamente fraco. Nessas condições, a liberdade econômica ilimitada pode ser tão autodestrutiva quanto a liberdade física ilimitada, e o poder econômico pode ser quase tão perigoso quanto a violência física, pois os que dispõem de rendimentos em excesso podem coagir os que deles carecem, sem usar de violência, a uma servidão "livremente" aceita."13
De nada serve que Popper classifique Marx entre os "falsos profetas". Mesmo assim, nesse texto, é dele que acaba extraindo a crítica de fundo ao liberalismo: não há somente coação física, existe também coação econômica; o excessivo poder econômico e o monopólio ou controle dos "rendimentos" permite "oprimir" os que não dispõem de tais rendimentos e vivem em condições de absoluta precariedade econômica; estes últimos podem até ser juridicamente livres, no entanto estão substancialmente privados de liberdade e reduzidos à "servidão". Até na terminologia, as assonâncias são evidentes: a "servidão" aí mencionada faz pensar na "escravidão assalariada" que Marx menciona a propósito da condição operária de sua época. É claro que as opções políticas dos dois autores são muito diferentes; porém, na configuração da relação entre economia e política, o acusador continua sendo devedor do "falso profeta". De outro ponto de vista, voltemos à crítica fundamental que Marx faz à sociedade burguesa resultante da Revolução Francesa. Esta "completou a transformação das classes políticas em sociais, ou seja, fez das diferenças de classe da sociedade civil meras diferenças sociais, diferenças da vida privada que não têm significado algum na vida política".14 Até em sua forma mais desenvolvida, até lá onde anula as restrições censitárias ao direito de voto, o Estado burguês limita-se, na realidade, a "fechar os olhos e a declarar que certas oposições reais não têm caráter político, que não o incomodam".15
Que a polarização, mesmo extrema, de miséria e riqueza constitua um fato concernente à esfera exclusivamente privada é até hoje convicção do liberalismo de Hayek; mas tal convicção já foi abandonada, por formas diferentes, por Roosevelt, pela ONU, pela Constituição da República Italiana, por Rawls e até pelo Popper do trecho acima citado. Enquanto, para Hayek, a tirania começa quando o Estado deixa de considerar meramente privadas as desigualdades, mesmo extremas, que subsistem no nível econômico-social, para o Popper aqui examinado é justamente a falta de intervenção do Estado contra essas desigualdades extremas que vai tolerar e consagrar uma relação efetiva de tirania e servidão.
De resto, o teórico da sociedade aberta reconhece a dívida das "democracias modernas" para com o marxismo quando demonstra a obsolescência irremediável deste último, com base no fato de que as democracias modernas teriam colocado em prática " a maior parte" das reivindicações programáticas do Manifesto comunista, a começar pelo "imposto de renda fortemente progressivo ou proporcional".16 Formulação muito imprecisa e singular, que assimila e unifica dois tipos de taxação bastante diferentes! De qualquer forma, visto que faz referência ao Manifesto comunista, presume-se que Popper esteja falando, na verdade, do "starke Progressivsteuer", o "imposto fortemente progressivo", precisamente aquele reivindicado por Marx e Engels.17 Segundo o teórico da sociedade aberta, tal reivindicação estaria obsoleta hoje em dia, por já ter sido amplamente "implementada" nas "democracias modernas". Na verdade, sobre essa questão até hoje continua se travando uma batalha cultural e política: é justamente à "taxação fiscal progressiva como meio de alcançar uma redistribuição de renda a favor das classes mais pobres" que Hayek se refere para denunciar a crise do liberalismo e a intolerável contaminação socialista sofrida pela própria sociedade ocidental.18 Por outro lado, em Popper, o destaque da vinculação entre liberdade e condições materiais de vida é uma referência isolada e uma involuntária admissão da vitalidade do ensinamento de Marx; se tivesse levado realmente a sério aquele vínculo, o teórico da sociedade aberta não teria feito uma leitura tão maniqueísta da história do século XX e não teria se atirado com tanta violência contra aqueles intelectuais que, esquecidos do fato de que "tudo ia bem no Ocidente", abandonaram-se a "muito barulho" e a "imprecações" completamente fora de lugar, no âmbito da "nossa sociedade", da "nossa civilização", do "nosso belo mundo".19
Hayek revela-se mais rigoroso do que Popper: é difícil conciliar a denúncia de Marx como "inimigo" da "sociedade aberta" com um reconhecimento explícito da dívida que essa "sociedade aberta" tem para com o Manifesto comunista. De qualquer forma, Hayek põe na conta do socialismo e do "abandono dos princípios liberais" até "a decisão de transformar todo o campo da seguridade social em monopólio estatal",20 para não falar do papel dos sindicatos, responsáveis por minar pela raiz o sistema liberal, eliminando a "determinação concorrencial dos preços" da força de trabalho e destruindo assim uma peça fundamental da "economia de mercado", ou seja, o "mercado concorrencial de trabalho".21
Bem se pode falar, como faz Dahrendorf, de "novo liberalismo". A passagem do "velho" ao "novo" liberalismo não foi nada indolor; pelo contrário, isso implica gigantescas lutas econômico-sociais e a assimilação, não espontânea e sim imposta pelos fatos, de certos elementos centrais do ensinamento de Marx e de outros autores amaldiçoados pela tradição liberal. Quando o sociólogo anglo-alemão fala de "direitos sociais", está retomando uma categoria já carimbada por Hayek como infectada de socialismo e marxismo. E quando Dahrendorf denuncia, no desemprego e na miséria, uma ameaça e até uma anulação dos "direitos civis",22 é claro que está recorrendo à lição de Marx. Às vezes, até na terminologia:
"A igualdade perante a lei pouco significa se não existir sufrágio universal e outras oportunidades de participação política. Asoportunidades de participação permanecem como uma promessa vazia se as pessoas não tiverem uma posição social e econômica que lhes dê condições de usufruir daquilo que as leis e Constituições lhes prometem. Pouco a pouco, a idéia de cidadania adquiriu substância. Antes mera quantidade formal de direitos, a cidadania tornou-se um status do qual fazem parte, além do direito de voto, uma renda digna e o direito de ter vida civil, mesmo para os doentes, velhos ou desempregados."23
Reaparece aí a crítica ao direito formal, tão cara a Marx; mas, se liberdade e igualdade permanecem formais sem a "substância" de uma "renda digna", então a democracia ainda está por se fazer, até nos países industriais avançados, sem falar que continua sendo miragem nos países do Terceiro Mundo, mesmo que se digam pertencentes ao Ocidente e ao "mundo livre".
3. Liberalismo e "Teodicéia da Felicidade"
Muito mais próximo do liberalismo estava o Dahrendorf dos anos 50 ou 60, quando formulava a tese de que "a posição social do indivíduo (depende hoje) do nível de escolaridade que conseguiu alcançar".24 Sim, a referência era aos anos do "milagre econômico" ideologicamente transfigurado, porém Dahrendorf acabava retomando um motivo clássico da traição liberal. Ludwig Von Mises é de opinião que "sob o capitalismo" como tal, "a posição social de cada qual depende de sua própria ação", de modo que, em caso de "fracasso", o indivíduo não tem espaço para "desculpas", a responsabilidade é exclusivamente sua.25 Trata-se de uma tese que, para ser formulada, decerto não esperou a emergência de uma sociedade capitalista desenvolvida: "A felicidade à qual o homem está destinado é apenas aquela proporcionada por sua própria força", isto é, sua capacidade – assim se exprimia Wilhelm Von Humboldt26 já em fins do século XVIII, numa Alemanha fundamentalmente ainda aquém do capitalismo. É um pouco a "teodicéia da felicidade" de que fala Max Weber: "os dominadores, os possuidores, os vencedores, os sãos", em suma:
"O homem feliz raramente se dá por satisfeito com o simples fato de possuir a sua felicidade. Ele precisa também ter direito a essa felicidade. Quer ter a convicção de "merecê-la" e, sobretudo, de merecê-la mais do que os outros. E portanto quer estar autorizado a acreditar que os menos afortunados, os que não têm a mesma sorte, também estão apenas recebendo o que lhes cabe. A felicidade quer ser "legítima"."27
Desse ponto de vista, a tradição liberal é implícita ou declaradamente atravessada por um refrão social-darwinista: já que a miséria não questiona propriamente a ordem social existente, os pobres são os que fracassaram, aqueles que, por preguiça ou incapacidade, foram derrotados ou aniquilados no âmbito da imparcial "luta pela existência" da qual fala, antes de Darwin, o liberal Herbert Spencer; segundo este, não se deve ir contra a lei cósmica que exige a eliminação dos incapazes e fracassados: "Todo o esforço da natureza consiste em livrar-se deles, limpando o mundo de sua presença e abrindo espaço para os melhores". Todos os homens estão submetidos a uma espécie de juízo divino: "Se realmente tiverem condições de viver, vivem, e é justo que vivam. Se realmente não tiverem condições de viver, morrem, e é justo que morram".28
Até hoje, é de struggle for survival que fala Ludwig Von Mises, formulando uma teodicéia da felicidade incontaminada e sem fissuras: claro, a "luta pela sobrevivência" premia os "homens superiores"; acrescente-se, porém, que "no capitalismo, os mais dotados e capazes não poderão tirar vantagem de sua superioridade, se não colocarem o melhor de suas capacidades a serviço da maioria dos menos dotados. No âmbito do mercado, o poder econômico cabe aos consumidores".29 Diante de um quadro tão harmonioso e luminoso, limitamo-nos a lembrar a advertência de Hegel, segundo o qual "cai na celebração e na banalidade" qualquer visão da história e da sociedade à qual falte "a seriedade, o sofrimento, a paciência e o trabalho do negativo".30
Encontramos em Hayek uma versão mais edulcorada da teodicéia da felicidade. É verdade que ele considera inaceitável qualquer idéia de justiça baseada numa "proporcionalidade entre recompensa e mérito moral". Mais do que consagração das relações sociais existentes, a ideologia meritocrática é percebida como possível elemento de defasagem e perturbação. Ao contrário, para Hayek, dado que o mérito não é mensurável objetivamente, e que seria arbitrário e despótico pretender retribuição baseada na opinião subjetiva sobre o mérito, próprio e de outrem, só resta substituir a categoria de mérito pela de valor: "é bom que os indivíduos gozem de vantagens proporcionais aos benefícios que seus semelhantes obtêm de suas atividades".31 Mas esse ajuste de categoria não modifica essencialmente a teodicéia da felicidade, que hoje se realizaria no mercado. Permanece sempre que "uma sociedade livre pode funcionar e perpetuar-se apenas se os seus membros considerarem justo que cada indivíduo ocupe o lugar correspondente à sua própria ação e como tal o aceite".32 Se a teodicéia da felicidade, tal como definida por Weber, está em função de proporcionar boa consciência aos que usufruem a riqueza ou o poder, de modo geral, a felicidade, deve-se reconhecer que, na versão de Hayek, atinge o objetivo com especial elegância: não há nenhuma defasagem ou contradição entre posição econômico-social e valor objetivamente medido pelo mercado. Tanto assim que qualquer manifestação de descontentamento em relação a essa teodicéia, realizada pelo mercado, pode ser atribuída exclusivamente ao sentimento de "inveja" e à fuga da "responsabilidade individual".33
Em todo caso, embora com variações ideológicas às vezes relevantes, na tradição liberal a miséria envolve o demérito individual, a falta de sorte e o acaso, a ordem natural e até providencial das coisas, mas nunca coloca em questão as relações econômico-sociais e as instituições políticas. Por que, segundo Tocqueville, a revolução de 1848, ainda em fevereiro, já é essencialmente socialista, antiburguesa (e antiliberal)?34 Porque nela estão fortemente representadas "as teorias econômicas e políticas" que pretendem fazer "acreditar que as misérias humanas sejam produto de leis e não da providência, e que seria possível eliminar a pobreza mudando a ordem social".35 Até a regulamentação legislativa e a conseqüente redução do horário de trabalho (a "jornada de doze horas") são colocadas pelo liberal francês na conta das "doutrinas socialistas" e como tais condenadas sem apelação.36 Contra a pretensão de colocar "a previdência e sabedoria do Estado no lugar da previdência e sabedoria individuais", Tocqueville retruca que "não há nada que autorize o Estado a se intrometer na indústria"; é o famoso discurso de 12 de setembro de 1848,37 pronunciado para que a Assembléia Constituinte rejeite a reivindicação de "direito ao trabalho", já sangrentamente rechaçada nas jornadas de junho, mas que, por vias tortuosas, acabou renascendo, por exemplo, na Constituição da República Italiana.
É verdade que não se realizou, no Ocidente, a socialização radical dos meios de produção, prevista e preconizada por Marx, e que dúvidas e reflexões, inclusive profundas, se manifestam até nos países que, de uma maneira ou de outra, ainda continuam reivindicando o socialismo. Resta o fato de que a relação entre economia e política, a própria concepção de liberdade, resulta profundamente modificada, mesmo no Ocidente, pelo ensinamento de Marx.
4. Trabalhadores assalariados, instrumentos de trabalho e "máquinas bípedes"
Logo, Hayek tem razão em denunciar que houve contaminação socialista e marxista da sociedade ocidental. Aliás, está muito mais certo do que julga. Na verdade, seu erro consiste em elaborar uma reconstrução que é mera reprodução da tradição liberal. Não apresenta nenhuma comprovação da tese de que "a luta contra todas as discriminações baseadas na origem social, nacionalidade, raça, crença religiosa, sexo etc. permanece como uma das características mais marcantes da tradição liberal".38 Na realidade, e limitando-me a um exemplo macroscópico, num dos países clássicos da tradição liberal (os Estados Unidos), a instituição escravista subsistiu até 1865 e sua abolição formal, a partir daquela data, decerto não significou o desaparecimento imediato de toda discriminação contra os negros, os quais, por causa da cor da pele, por muito tempo continuaram excluídos dos direitos políticos e, às vezes, também dos direitos civis; até recentemente, a legislação de alguns Estados do Sul ainda proibia matrimônios inter-raciais.39
Mas Hayek insiste em sua hagiografia: "o liberalismo clássico apoiara as reivindicações de "liberdade de associação".40 Na realidade, a polêmica anti-sindical, ora mais explícita e violenta, ora em surdina e quase imperceptível, acompanha constantemente a história do pensamento liberal. De resto, para desmentir o patriarca do neoliberalismo, basta citar os autores que são, como veremos, os seus prediletos. Mandeville descreve com surpresa e indignação as primeiras tentativas dos miseráveis de sua época de se organizarem a fim de melhorar sua condição:
"Fui informado, por pessoas dignas de confiança, que alguns desses lacaios chegaram a tal grau de insolência que se reuniram em sociedade e fizeram leis pelas quais se obrigam a não prestarem serviço por soma inferior ao que estabeleceram entre si, a não carregar malas, embrulhos ou pacotes acima de certo peso, fixado em duas ou três libras, e que se impuseram uma série de outras regras diretamente opostas ao interesse daqueles a quem prestam serviço e, ao mesmo tempo, contrárias à finalidade para a qual foram contratados.41
Por sua vez, Burke considera que a liberdade de contratação é ameaçada ou anulada por qualquer acordo ao vínculo associativo entre os operários, qualquercombination or collusion.42 E quanto à França, então, note-se que a lei Le Chapelier, que proibia as associações operárias, só é revogada em 1887. Por trás disso estão as gigantescas lutas do movimento operário e socialista que culminaram na Comuna de Paris: estamos bem além de 1870, a data que, segundo Hayek, assinala o "início do declínio da doutrina liberal",43 declínio que coincide com a irrupção, na cena política, de um movimento operário e socialista organizado. E no que diz respeito ao desaparecimento da discriminação censitária dos direitos políticos, até hoje considerada legítima por Hayek, é ainda mais recente, e remete às transformações ocorridas com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução de Outubro."44
A democracia moderna não pode ser compreendida sem as idéias e as lutas da tradição democrático-socialista, que têm um mérito ainda mais elevado, o de ter contribuído de modo decisivo para a elaboração do conceito universal de homem, até então estranho à tradição liberal. Locke fala, como de um fato óbvio, dos "agricultores das Índias Ocidentais", que possuem escravos e cavalos com base em direitos adquiridos em compra-e-venda regular. Na História da navegação, a propósito do comércio com as colônias africanas, podemos ler até: "As mercadorias provenientes desses países são: ouro, marfim e escravos".45 Ainda em pleno século XIX, Mill coloca-as como raças "de menor idade", pouco acima das espécies animais superiores.46
Mas não é unicamente às populações coloniais que se nega a plena dignidade humana. Se Locke classifica o escravo negro na categoria de "mercadoria", ao lado do cavalo, um século mais tarde Edmund Burke (o "grande whig" inglês, caro a Dahrendorf e também Hayek, que por sua vez o define como "grande e de visão ampla"47) classifica o trabalhador manual ou assalariado na categoria de instrumentum vocale, colocando-o, portanto, seguindo a divisão clássica, entre os instrumentos de trabalho, ao lado do boi instrumentum semivocale e do arado instrumentum mutum.48 Até mesmo o autor do talvez mais célebre manifesto da Revolução Francesa, Sieyès, fala da "maior parte dos homens como máquinas de trabalho", isto é, "instrumentos humanos da produção" ou "instrumentos bípedes". Chega até a uma negação bastante explícita da qualificação de homem:
"Os infelizes destinados aos trabalhos extenuantes, produtores dos prazeres de outrem, que recebem apenas o mínimo para sustentar seus corpos sofridos e carentes de tudo, esta multidão imensa de instrumentos bípedes, sem liberdade, sem moralidade, sem faculdades intelectuais, dotados apenas de mãos que ganham pouco e de uma mente onerada por mil preocupações que só serve para os fazer sofrer (...), é a estes que chamais de homens? São considerados civilizados (policés),mas já se viu um só capaz de entrar na sociedade?"49
Observe-se que é justamente essa nomenclatura antropológica (a negação do conceito universal de homem) que constitui o fundamento teórico da negação dos direitos políticos aos não-proprietários: Constant assimila-os a "meninos" que, obrigados a trabalhar dia e noite, permanecem em situação de "eterna dependência"50; de certo modo, trata-se de homens, mas com a característica singular de que nunca atingem, nem podem atingir, a maioridade. Não que Constant se afaste muito de Sieyès: também este último, quando não fala de "instrumentos humanos", ou melhor, "bípedes", fala em "multidão sempre criança".51 Trata-se de uma concepção que hoje continua a agir, de certo modo, sobre um autor como Hayek, o qual declara explicitamente que uma sociedade livre poderia perfeitamente recusar-se a conceder o sufrágio às massas: afinal, também se nega o direito de voto às "pessoas muito jovens"!52
5. Marx como crítico do holismo liberal
A insistência de Marx no "homem" como "ente genérico" só pode ser compreendida à luz da luta pela construção do conceito universal de homem. Já em Hegel encontramos a afirmação de que não somente ao escravo tratado pelo patrão como instrumento de trabalho mas também ao pobre reduzido pela fome a condições de substancial escravidão nega-se, em última análise, a qualidade de homem.53 Por essa sua insistência no homem como "ente genérico", Marx foi, muitas vezes, acusado de holismo. Não é o caso de examinarmos aqui a ambiguidade e inadequação dessa categoria. Vale a pena observar, porém, que, sob vários aspectos, o Capital apresenta-se como denúncia do holismo que atravessa a economia política e a tradição liberal. Vejamos algumas das proposições criticadas por Marx: "Para tornar feliz a sociedade – escreve Mandeville – é necessário que a grande maioria permaneça ignorante e pobre". Ou: "A riqueza mais certa consiste numa massa de pobres laboriosos".54
Não é tão importante o fato de que o autor de maior predileção de Hayek55 considere fato natural, inevitável e ao mesmo tempo benéfico, a miséria e a ignorância dos trabalhadores assalariados. O mais importante é examinar a estrutura epistemológica do discurso de Mandeville: o que exige o sacrifício de uma massa inumerável de indivíduos é a "sociedade", ou a "riqueza", um universal monstruoso, que engloba a esmagadora maioria da população. Ou tomemos Destutt de Tracy, igualmente alvo da crítica de Marx: "as nações pobres são aquelas em que o povo vive em condições de bem-estar, ao passo que as nações são aquelas em que é, em regra, pobre".56 A "riqueza das nações" – para usar a expressão cara a Adam Smith – é o novo nome desse Moloch insaciável, que pode até ser chamado de "liberdade": o ataque antiestatista e liberal de Mandeville é fortemente evidenciado e celebrado por Hayek, o qual porém sobrevoa com desenvoltura o outro lado da medalha, the working slaving people, "a parte mais pobre e miserável da nação", a qual, segundo Mandeville, trabalha como escrava, e é justo e inevitável que assim seja. E, assim como antes, a "riqueza das nações" exigia a miséria da maioria da população, agora o que poderíamos chamar de "liberdade das nações" exige a substancial escravidão, sempre da maioria da população.
Mas é preciso nos determos mais um pouco na estrutura do discurso criticado no Capital: a felicidade, ou a riqueza, ou a liberdade da "sociedade" ou da "nação" exigem a infelicidade, a miséria, a escravidão da maioria de seus membros. Por que tal proposição não é percebida como logicamente contraditória? É claro: porque os trabalhadores assalariados não são classificados propriamente, a pleno título, na categoria de "sociedade" e "nação", um universal que só os leva em conta para que sirvam de vítimas de sacrifício.
A necessidade de estabelecer uma drástica limitação dos direitos civis de certos grupos sociais ou étnicos, considerados perigosos e subversivos, às vezes é explicitamente teorizada. Vejamos em que termos Lord Palmerston, campeão da Inglaterra liberal, rejeita a concessão de liberdade religiosa aos católicos irlandeses: "A legislação de um país tem o direito de condenar uma parte da comunidade a certa falta de direitos políticos, conforme necessário para a segurança e bem-estar do todo (...) Isto é parte dos princípios fundamentais em que se baseia um governo civil". Surge aí a palavra-chave do holismo (segurança e bem-estar do todo); e surge num expoente de primeira linha do liberalismo, não em Marx, o qual, pelo contrário, em polêmica com o próprio Lord Palmerston, condena o fato de que, na teoria deste, a "massa do povo" fica totalmente subordinada a um universal ilusório e mistificador, a "legislação", "ou seja, em outras palavras, a classe dominante".57
E note-se que, não poucas vezes, o liberalismo priva a "multidão sempre criança" não apenas dos direitos políticos, mas também dos direitos civis. Hayek pode até exaltar Mandeville como aquele para quem "o exercício arbitrário do poder ficaria reduzido ao mínimo".58 Mas, na realidade, o liberal inglês desejaria regulamentar, de cima para baixo, até o tempo livre das classes inferiores, tanto que chega a propor – ele, expoente de uma moral radicalmente laica – que aos domingos "se impeça" que "os pobres tenham acesso a qualquer tipo de divertimento fora da igreja, que poderia atraí-los a ponto de fazer-lhes abandonar o recinto sagrado".59 Ainda no século XIX, os liberais alemães Rotteck e Welcker (entusiasticamente citados por Hayek),60 com a finalidade de prevenir, "na fonte", qualquer ataque ao direito de propriedade, exigem que os mendigos e todas as pessoas desprovidas de meios de subsistência sejam encerradas, até mediante simples "medida autônoma das autoridades policiais", em "casas de trabalho obrigatório", e por tempo indeterminado, para serem submetidos a uma dura, aliás implacável, disciplina.61
Já se falou da decisiva contribuição do movimento democrático e socialista para a construção do conceito universal de homem (ou pessoa, ou indivíduo). Nietzsche enxerga longe quando põe na conta do "socialismo" a "igualdade da pessoa"; a "igualdade da pessoa", aí contestada, é a afirmação segundo a qual se deve reconhecer como pessoa todo membro da espécie humana. No entanto – em furiosa polêmica, justamente contra o socialismo – Nietzsche afirma que "a maioria não é pessoa nenhuma"; "são poucos os indivíduos." E tal como Burke, de olho na agricultura, definia o trabalhador assalariado comoinstrumentum mutum, assim Nietzsche, de olho na indústria define-o como "instrumento de transmissão", ou seja, com a função de transmitir movimento aos teares e meios de produção propriamente ditos; e tal como Sieyès falara dos trabalhadores assalariados como "máquinas de trabalho", assim Nietzsche os chama de "máquinas inteligentes". E tal como Mandeville considerava oportuno negar instrução à "parte mais pobre e miserável da nação", a fim de não criar nenhum tipo de obstáculo ao processo de reprodução do working slaving people, também Nietzsche pensa que a educação popular é absolutamente incompatível com a substancial escravidão que é o trabalho assalariado e que constitui o pressuposto de qualquer civilização.62 As primeiras obras de Nietzsche datam do período em que Hayek situa "o declínio da doutrina liberal", em decorrência do desenvolvimento do movimento democrático-socialista. Em polêmica contra esse movimento, e na tentativa desesperada de não avançar na construção do conceito universal de homem, Nietzsche acaba retomando, objetivamente, certos temas e motivos típicos do liberalismo, ou pelo menos do primeiro liberalismo.
6. As "crianças", os "bárbaros" e a tradição colonial
Na Inglaterra, de meados do século XVII a meados do XVIII – ressalta o grande sociólogo Tawney, expoente do Partido Trabalhista inglês –, a atitude dominante para com o "novo proletariado industrial" é tão dura "que não tem paralelo em nossa época, a não ser no comportamento dos mais abjetos colonizadores brancos para com os trabalhadores de cor."63 Na realidade, como procurei demonstrar, essa atitude vai bem além da Inglaterra e do limite de tempo aí indicado. Vimos primeiro Sieyès e depois Constant falando dos trabalhadores assalariados como eternas crianças. Mais tarde, assiste-se a um deslocamento interessante dessa metáfora. Ainda que no âmbito de um discurso conjugado no futuro, Mill opina que os próprios trabalhadores assalariados devam gozar de direitos políticos, porém a discriminação censitária, expulsa pela porta, ameaça voltar pela janela, com a proposta de que as pessoas dotadas de maior inteligência deveriam ter voto "plural", a fim de exercerem maior influência.64
Parece que os trabalhadores assalariados não são mais eternas crianças: mas essa imagem mal desapareceu na Europa e já ressurge nas colônias, nas "sociedades atrasadas, onde a própria raça pode ser considerada menor de idade". Como se comportar nesses casos? Passemos a palavra a Mill:
"As dificuldades que desde o início se contrapõem ao progresso espontâneo são tão grandes que raramente se pode escolher entre diversos meios de superá-las: e é justificável que um governante imbuído de intenções progressistas empregue qualquer meio que permita alcançar seu objetivo, de outro modo impossível. O despotismo é uma forma legítima de governo quando se trata de bárbaros, desde que seja para o progresso deles e que os meios sejam justificados por alcançar realmente tal progresso. A liberdade, em princípio, não é aplicável em nenhuma situação anterior ao momento em que os homens tenham-se tornado capazes de melhorar através da livre discussão entre iguais. Até esse momento, não há para eles, salvo a obediência absoluta a algum Aqbar ou algum Carlos Magno, se tiverem tido a sorte de encontrá-lo."
É claro: a liberdade "só vale para seres humanos na plenitude de suas faculdades".65 Tal como antes, a imagem das crianças incapazes de entender e querer constituía a maioria da população da Europa, agora, deslocada para as colônias, essa imagem continua abrangendo, de qualquer maneira, a maioria da humanidade. É verdade que não se trata mais de uma condição a ser considerada eterna, porém, não apenas sua superação pela maioria está colocada num futuro bastante remoto, mas também, e sobretudo, a comprovação da maturidade alcançada compete, por definição, exclusivamente aos que desde já são, ou se autoproclamam, capazes de entender e querer. Sobre essa autoproclamação, sobre o fato de que os países e povos tratados a ferro e fogo pelo Ocidente representem não apenas a infância como o barbárie, Mill está tão livre de dúvidas que chega a justificar, indiretamente, até a infame "guerra do ópio", e ainda por cima justificá-la em nome dos princípios liberais: "A proibição de importar ópio na China viola a liberdade (...) do comprador", até antes do que a "do produtor e do vendedor".66
Estamos no tempo da segunda "guerra do ópio". No começo da primeira, Tocqueville chegara a se exprimir em termos líricos:
"Eis afinal a mobilidade da Europa em combate contra o imobilismo chinês! Trata-se de um acontecimento grandioso, sobretudo quando se considera que é mera continuação, última etapa numa série de acontecimentos da mesma natureza, que gradativamente vêm empurrando a raça européia para além de suas fronteiras, submetendo sucessivamente todas as outras raças ao seu império ou sua influência (...); é a sujeição das quatro partes do mundo, por obra da quinta parte. Por isso, é bom não se maldizer demais o nosso século e a nós mesmos; os homens são pequenos, mas os acontecimentos são grandiosos."67
Como observador atento e lúcido. Tocqueville dá-se perfeitamente conta da realidade do colonialismo: na Argélia, "tornamos a sociedade muçulmana muito mais miserável, mais desordenada, mais ignorante e mais bárbara do que era antes de nos conhecer".68 Dá-se conta de que o colonialismo europeu avança até a beira do genocídio: há perigo de que se repita "a história da conquista da América".69 Sim, "é não apenas cruel, mas absurdo e impraticável pretender sufocar ou exterminar os indígenas"; mas, enquanto isso, na Argélia, "dizimamos a população", a qual de resto continua sendo ceifada pela fome provocada pela guerra de conquista ("neste momento, Abdel-Kader está literalmente morrendo de fome"); e de qualquer maneira, para os oficiais e colonos do exército francês, "a morte de cada um deles (árabes) parece um bem".70 E no entanto, apesar desses toques realistas. Tocqueville considera impensável e fora de questão propor a retirada das colônias francesas e européias. Até o fim, para o liberal francês, a Europa continua sendo sinônimo de civilização e as populações coloniais, de barbárie. Em 1875, quando toda a Índia parece rebelar-se contra o domínio inglês, inclusive as tropas armadas e treinadas pela Inglaterra, escrevendo a seu amigo inglês Reeve, com o qual 17 anos antes celebrara o início da "guerra do ópio", Tocqueville recorre desta vez a tons de angústia: "seria desastroso para o futuro da civilização e para o progresso da humanidade" que a Índia voltasse a cair na "barbárie". Pode-se ter esperança, contudo, numa repressão eficaz: "hoje em dia, quase nada é impossível para a nação inglesa, desde que ela utilize todos os seus recursos e toda a sua vontade".71
Seria fácil, a esta altura, contrapor a Mill e Tocqueville o quadro terrificante que Marx apresenta da dominação inglesa na China e na Índia, ainda que nem mesmo o grande pensador revolucionário consiga superar completamente a concepção típica da cultura liberal da época, de colonialismo "civilizador".72 Já é mais significante a ironia sobre a "guerra civilizatória" das potências coloniais: na "guerra do ópio", enquanto na China "o semibárbaro atinha-se aos princípios da lei moral, o civilizado lhe contrapunha o princípio do Eu",73 isto é, da liberdade de comércio e da civilização liberal, o princípio tão eloquentemente defendido por Mill. Mas qual é a civilização e qual a barbárie? Por enquanto, a Europa pode preservar sua certeza de representar a civilização, pois ainda não chegou ao conceito universal de homem. É por isso que ela ferve de indignação com as crueldades e os "horrores" – como os define Tocqueville74 – dos insurretos na Índia e na China, mas continua a manter sua boa consciência, apesar de todos os crimes que ela mesma comete nas colônias. Nas palavras de Marx: "A crueldade, como tudo neste mundo, tem suas modas, que variam conforme o tempo e o lugar. César, o refinado homem de cultura, conta tranqüilamente que mandou cortar a mão direita de alguns milhares de guerreiros gauleses".75 Mas na época a Gália era sinônimo de barbárie, ao passo que, no tempo de Mill e de Tocqueville, a França era sinônimo de civilização. Tocqueville nota como, na América liberal e democrática, os brancos se recusam a reconhecer nos negros "os traços gerais de humanidade", assim como se recusam essencialmente a reconhecê-los nos índios.76No entanto, embora observando que, aos olhos dos oficiais franceses na Argélia, "os árabes são como animais nocivos",77 Tocqueville alerta a França para que evite deixar surgir entre os árabes a ilusão ou pretensão de que possam ser tratados "como se fossem nossos cidadãos e nossos iguais". A idéia de igualdade do homem não pode ser estendida a ponto de abarcar os "povos semicivilizados". E é sempre Tocqueville, embora aqui e ali acabe reconhecendo quão bárbaro é o comportamento da França na Argélia, quem, de outra forma, alerta exatamente a França para que não se abandone à generosidade e à indulgência, virtudes incompreensíveis para esses "povos semicivilizados", que só são capazes de entender o discurso da "justiça exata, mas rigorosa". Em todo caso, nem por um instante os árabes devem ter a ilusão de que a França (e a Europa) possa abandonar "sua posição de dominação": isto significaria provocar "espanto e confusão em seus espíritos, enchê-los de noções errôneas e perigosas".78
Já vimos que Mill fala indiferentemente de "bárbaros" ou de "raças" que devem ser consideradas menores de idade. Mesmo na diversidade de suas configurações e deslocamentos geográficos, a imagem da multidão infantil acompanha constantemente, como uma sombra, o pensamento liberal e define seu limite de fundo: existem homens (e, às vezes, de humano só têm a aparência) para os quais a liberdade resulta ser um berloque supérfluo e perigoso ao mesmo tempo. Como diz Sieyès: "Dêem um brinquedo a uma criança, e ela o quebrará para ver como é feito (...). Ora, o mecanismo social também é um brinquedo para a multidão sempre criança".79
Mas, assim como os bárbaros ou "semicivilizados" são crianças, também as crianças que vivem na metrópole transformam-se facilmente em bárbaros ou diabos. Já com referência ao processo de radicalização da Revolução Francesa e à irrupção das massas populares na cena política, Mallet du Pan lança o grito de alarme: "Os hunos (...) estão entre nós". Quatro décadas mais tarde, quando do levante dos trabalhadores da indústria da seda de Lyon, Saint-Marc Girardin denuncia a "nova invasão dos bárbaros".80 Depois do levante operário de junho de 1848, o próprio Tocqueville, embora descrevendo as emoções coletivas da época, acaba também evocando o espectro "dos vândalos e dos godos".81
A sociedade burguesa-liberal tende a ler até os conflitos de classe em termos naturalistas e de raça. É por isso que, quando se rebelam, os próprios trabalhadores da metrópole são denunciados como bárbaros, aqueles que trazem a ameaça de barbárie dentro do próprio mundo civil, que já precisa precaver-se contra os bárbaros externos. Explicam-se assim as recorrentes propostas de esterilização obrigatória da raça dos vagabundos, ociosos e criminosos, dos bárbaros que são propriamente incapazes de se elevarem ao nível da civilização: é uma idéia que tem um papel importante na cultura americana dos séculos XIX e XX,82 mas que ainda está presente em Winston Churchil.83
7. Neoliberalismo e nova direita
Se hoje, quando se fala em direitos do homem, entende-se, pelo menos entre os de cultura política mais adiantada, o homem em sua universalidade, o homem como tal, não se pode ignorar o quanto contribuiu, para alcançar esse resultado, a tradição política que vai de Robespierre (o primeiro a contestar as limitações censitárias ao direito de voto e a abolir a escravidão nas colônias) a Lenin (a Revolução de Outubro deu impulso decisivo ao processo de descolonização e de reconhecimento do direito de autodeterminação, inclusive para os povos antigamente considerados bárbaros). A constatação desse fato histórico não deve, obviamente, servir de obstáculo a um balanço crítico, sem indulgência, sobre a tradição revolucionária em questão. No que se refere especificamente ao marxismo, este é atravessado em profundidade pela ilusão de uma breve fase de transição a um comunismo utopicamente transfigurado, o que provocou conseqüências certamente nefastas: foi essa ilusão que levou a negligenciar, ou, pior ainda, a considerar puramente "formal", o problema das garantias democráticas, ou, em outras palavras, o velho problema liberal dos limites do poder, qualquer que seja. Seria errado, porém, pensar que esse problema esteja completamente ausente em Marx e Engels. Há até uma apaixonada exaltação da tradição liberal anglo-saxônica: o "direito inglês" – escreve Engels em 1892 – é "o único que conservou intacta, e transmitiu à América e às colônias, a parte melhor da liberdade pessoal, da autonomia local e da independência perante toda intervenção de fora, com exceção da intervenção da justiça"; tudo o que se perdeu na Europa continental com as monarquias absolutas e nunca foi totalmente reconquistado.84
O que marca a separação entre Marx e Engels, de um lado, a tradição liberal, do outro, não é o tema da liberdade individual, e sim o reconhecimento da dignidade de indivíduo e de homem a todo ser humano, bem como a consciência de que sem "libertar-se da necessidade" podem resultar formais a liberdade civil e política e o próprio reconhecimento da dignidade humana. É verdade que profundas transformações políticas e sociais se desenvolveram de formas bem diferentes daquelas previstas e preconizadas por Marx e Engels. E no entanto, tem razão Hayek em surpreender em Roosevelt e nos documentos da ONU, na configuração atual da sociedade "liberal-democrática", a influência do movimento democrático-socialista e do marxismo. É importante traçar um balanço histórico correto do mundo em que vivemos, para compreender os termos reais do atual debate político. Assistimos hoje à tentativa de implementar uma gigantesca depuração da sociedade liberal-democrática, expurgando-a de tudo o que nela inseriram as prolongadas lutas do movimento democrático-socialista. Corretamente, Dahrendorf identifica no neoconservadorismo a tentativa de retroceder na "idéia de direitos civis e sociais", a tentativa de privar a idéia de direito da "substância social" que é resultado da "resposta da sociedade aberta aos desafios da luta de classe".85
Então, apesar de todas as diferenças, o neoconservadorismo ou o neoliberalismo acabam inevitavelmente confluindo com a direita, velha e nova, na liquidação não só do movimento socialista, mas até da herança da Revolução Francesa e da idéia de égalité, do "Estado previdenciário"86 etc. Às vezes, a própria Nova Direita reivindica explicitamente a tradição liberal, contrapondo-a à massificação do mundo moderno. Tocqueville – escreve Alain de Benoist – foi "um dos primeiros a descobrir a contradição oculta no slogan que, a partir de 1789, associa igualdade e liberdade".87 Claro, para a Nova Direita, o anti-igualitarismo dos neoconservadoes não parece suficientemente radical e conseqüente.88 No entanto, há um tema de fundo que é comum às duas correntes. Benoist não se cansa de denunciar, no conceito universal de homem, a versão, superficialmente laicizada, do monoteísmo hebraico-cristão, a origem do "totalitarismo igualitário".89
Referindo-se à Declaração Universal dos Direitos do Homem, Hayek, por sua vez, ironiza o "conceito de ‘direito universal’, que garante ao camponês, ao esquimó e talvez até ao abominável homem das neves suas ‘periódicas férias remuneradas’".90 A liqüidação da herança do movimento democrático-socialista não pode deixar de entrar em choque com o conceito de homem e de direito do homem como tal, e só nesse contexto é que se pode compreender a tese colocada por Hayek em relação ao problema da fome no Terceiro Mundo: "Contra a superpopulação só existe um freio, é que só se mantenham e aumentem os povos capazes de se alimentarem sozinhos".91 É natural que a volta à concepção liberal clássica, vista e mantida em sua "pureza" e "autenticidade", comporte, até mesmo em âmbito internacional, a rejeição a qualquer redistribuição de recursos, a não ser por obras de caridade individual. Mesmo quando alcança dimensões trágicas, significando até a morte de milhões de pessoas, a fome continua sendo fato privado dos que a sofrem e de eventuais benfeitores caridosos. Assim, os povos vão ter de aprender a "se alimentarem sozinhos". Claro, milhões de crianças nem terão tempo de aprender. Mas a resposta a essa eventual objeção já está contida num clássico da tradição liberal. Segundo Malthus, faz parte do "governo moral deste universo que os pecados dos pais recaiam sobre seus filhos": "pelas leis da natureza, a criança é confiada direta e exclusivamente à custódia de seus pais" e não tem nenhum direito a reivindicar perante a sociedade.92
E nessa desconfiança na categoria de direitos universais do homem, nessa indiferença pelo destino de milhões de indivíduos concretos, manifesta-se, mais uma vez, o caráter ideológico e mistificador da fé que o liberalismo clássico e o neoliberalismo professam no "individualismo"._____________
* Tradução de Silvana Finzi. Revisão técnica de Enrico Piozzi e Patrizia Piozzi. Artigo publicado em Educação e Sociedade, v. 17, n. 57, especial, dez. 1996, editada pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), da UNICAMP, a quem a Procuradoria Geral do Estado agradece por autorizar sua reprodução.
** Universidade de Urbino, Itália.
1. F. A. von Hayek, Law, legislation and liberty (1982; as três partes que constituem o volume são, respectivamente, de 1973, 1976 e 1979); trad. italiana: Legge, legislazione e libertá, Milano, p. 310.
2. G. W. F. Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, p. 127. Ver também Losurdo, D., Hegel e le libertà dei modemi, Roma 1992, cap. VII.
3. B. Constant, Principes de politique (1815); trad. italiana: Principi di politica, 2. ed., Roma, U. Cerroni (ed.) 1970, p. 102.
4. A. de Tocqueville, Voyages en Angleterre, Irlande, Suisse et Algérie. In: Oeuvres complètes, J. P. Mayer (ed.) Paris, 1951 em diante, v. 5, 2, p. 81.
5. Idem. L’Ancien régime et la révolution, III, 3: trad. italiana: L’antico regime e la rivoluzione, Milano, 1981, p. 204.
6. Cf. D. Losurdo, Hegel e la libertà dei moderni, op. cit., cap. V, 9 e VIII, 4.
7. J. Rawls, A theory of justice (1971); trad. italiana: Una teoria della giustizia, Milano, 1982, p. 441.
8. R. Dahrendorf, Fragmente eines neuen liberalismus (1987); trad. italiana: Per un nuovo liberalismo, Roma: Bari, 1988, p. 122.
9. O professor Larry Brown, da Harvard Public School of Public Health, presidente do grupo de trabalho dos médicos sobre o problema da fome, denunciou que há entre 18 e 21 milhões de norte-americanos que não comem o suficiente. Desses, 7 milhões são crianças; cf. S. Ginzberg, Bimbi alla fame negli USA dei liardari, no jornal L’Unità de 19.10.1988.
10. Cf. F. A. von Hayek, Law, legislation and liberty, trad. italiana, p. 278 nota.
11. Idem. New studies in philosophy, politics and the history of ideas (1976), trad. italiana: Nuovi studi di filosofia, politica, economia e storia delle idee, Roma, 1988, p. 137-147.
12. O próprio Hayek considera as duas expressões equivalentes (Law, legislation and liberty, trad. italiana, p. 21 nota).
13. K. R. Popper, The open society and its enemies (1943); trad. italiana: La società aperta e i suoi nemici, Roma, 1974, v. 2, p. 163.
14. K. Marx, Kritik des hegelschen staatsrechhts. In: K. Marx, F. Engels, Werke, Berlin, 1955 em diante (doravante MEW e n. do v.), v.1, p. 284.
15. F. Engels, Die heilige familie. MEW, v. 2, p. 101.
16. K. R. Popper, The open society, trad. italiana, p. 186.
17. K. Marx, F. Engels, Manifest der kommunistischen partei. MEW, v. 4, p. 481.
18. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 158.
19. K. Popper, La lezione di questo secolo, Venezia: Marsilio, 1992, p. 92-94.
20. F. A. von Hayek, New Studies..., trad. italiana, p. 161.
21. Idem, p. 165; cf. também Law, legislation and liberty, trad. italiana, p. 516-517.
22. R. Dahrendorf, Fragmente eines neuen liberalismus, trad. italiana, p. 122.
23. Idem, p. 124.
24. R. Dahrendorf, Class and class conflict in industrial society (1959), trad. italiana: Classi e conflitti di classi nella società industriale, Roma: Bari, 1963, p. 113.
25. L. von Mises, The anti-capitalistic mentality (1987), trad. italiana: La mentalità anticapitalistica, Roma, 1988, p. 30.
26. W. von Humboldt, Ideen zu einem versuch, die gränzen der wirksamkeit des staates zu bestimmen. In: Gesammelte schriften, Berlin, Academia de Ciências, 1903-1936, v. 1, p. 117.
27. Cf. M. Weber, Die wirtschaftsethik der weltreligionen (1915-1919), trad. italiana: L’etica economica delle religioni mondiali, in Sociologia della religione, Torino, 1976, v. 1, p. 331-332. Resta ver se indícios dessa "teodicéia da felicidade" não estão presentes no próprio Max Weber, quando afirma que, no âmbito do capitalismo, quem perde "na luta econômica pela vida" e é "jogado na rua como desempregado" é "o operário que não pode e não quer se adaptar" ao mercado e às "normas" da economia (sem qualquer referência à crise objetiva); cf. Dir protestantische ethik und der geist des kapitalismus (1905-1905), trad. italiana: L’etica protestante e lo spirito del capitalismo, Firenze, 1965, p. 87 e 107.
28. H. Spencer, Social Statics (1850), New York, 1877, p. 414 ss.
29. Cf. L. von Mises, On equality and inequality (1961). In: G. A. Panichas (ed.). Modern age: the first twenty-five years. A selection, Indianapolis, 1988, p. 95.
30. G. W. Hegel, Phënomenologie des Geistes. In: Werke in swanzig Bänden, editado por E. Moldenhauer e K. M. Michel, Frankfurt a.M. 1969-1979, v. 3, p. 24.
31. F. A. von Hayek, The constitution of liberty (1960); trad. italiana: La società libera, Firenze,
p. 117-118.
32. Idem, p. 93.
33. Idem, p. 117 e 93.
34. A. de Tocqueville, Souvenirs (1850-1851); trad. italiana: Ricordi, in scritti politici, Matteucci, N. (ed.,) Torino, 1960, v. 1, p. 300 e 359-360.
35. Idem, p. 352.
36. Carta a G. de Beaumont em 3 de setembro de 1848. In: Oeuvres complètes, cit., v. 8, 2, p. 38.
37. In: A. de Tocqueville, Scritti politici, cit., v. 1, p. 281-294 (especialmente p. 293-294).
38. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 158.
39. L. Keryan, L’égalité aux Etats-Unis: mythes et réalité, Nancy, Presses Universitaires, 1991, p. 78-80.
40. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 162-163.
41. B. de Mandeville, An essay on charity schools (1723); trad. italiana: Saggio sulla carità e sulle scuole di carità, M. E. Scribano, (ed.) Roma: Bari, 1974, p. 110.
42. E. Burke, Thoughts and details on scarcity (1795). In: The works of the right honourable Edmund Burke, London, 1826, v. 7, p. 380.
43. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 149.
44. Cf. D. Losurdo, Democrazia o bonapartismo: trionfo e decadenza del suffragio universale, Torino, 1993, cap. 1, § 13 e 7º, § 5º.
45. Idem, Hegel e la libertà dei moderni, cit., cap. XII, § 3º.
46. J. Stuart Mill, Considerations on representative government (1861). In: Utilitarianism, liberty, representative government, H. B. Acton, (ed.) London, 1972, p. 197.
47. R. Dahrendorf, Reflections on the revolution in Europe (1990); trad., italiana: 1989, Riflessioni sulla rivoluzione in Europa, Roma: Bari, 1990, p. 26. Hayek, F. A. von. Law, legislation and liberty, trad. italiana, p. 32.
48. E. Burke, Thoughts and details on scarcity, cit., p. 383.
49. E. J. Sieyès, Ecrits politiques, R. Zapperi, (ed.) Paris, 1985, p. 236 (Dire sur la question du vezto royal), p. 75 (Fragment esclaves) e p. 81 (Fragment Grece, Citoyen-homme).
50. B. Constant, Principes de politique, trad. italiana, p. 99-100.
51. E. J. Sieyès, Ecrits politiques, cit., p. 80 (Fragment quand on parle mécanisme, il ne faut s’adresser qu’aux mécaniciens).
52. F. A. von Hayek, The constituion of liberty, trad. italiana, p. 31-32.
53. Cf. D. Losurdo, Hegel e la libertà dei moderni, cit., cap. VII.
54. K. Marx, Das kapital. In: MEW, v. 23, p. 643.
55. Cf. em particular F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 271-289.
56. K. Marx, Das kapital. In: MEW, v. 23, p. 677.
57. K. Marx, Lord Palmerston. In: MEW, v. 9, p. 361.
58. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 280.
59. B. de Mandeville, An Essay on charity and charity schools, trad. italiana, p. 112.
60. F. A. von Hayek, New studies..., trad. italiana, p. 143.
61. Sobre esse assunto, ver D. Losurdo, Tra Hegel e Bismarck: la rivoluzione del 1848 e la crisi della cultura tedesca, Roma 1983, cap. 3, § 8º.
62. Sobre este tema, ver meu artigo Nietzsche, il moderno e la tradizione liberale. In: Metamorfosi del moderno, (ed.) G. M. Cazzaniga, D. Losurdo, L. Sichirello, Urbino, 1988, p. 115-140.
63. R. H. Tawney, Religion and the rise of capitalism (1929); trad. italiana: La religione e la genesi del capitalismo. In: Opere, F. Ferraretti, (ed.) Torino, 1975, p. 513.
64. J. Suart Mill, Considerations on representative government, cit., p. 285-288.
65. Idem. On Liberty (1858); trad. italiana: Saggio sulla libertà, Milano, 1981, p. 3.
66. Idem, p. 130.
67. Carta a Reeve em 12 de abril de 1840. In: Tocqueville, A. de. Oeuvres complètes, cit., v. 4, 1, p. 58.
68. A. de Tocqueville, Ecrits et discours politiques. In: Oeuvres complètes, cit., v. 3, 1, p. 323.
69. Idem, p. 329.
70. Carta a F. de Corcelle em 1º de dezembro de 1846. In: Oeuvres complètes, cit., v. 15, 1, p. 224-225.
71. Carta de 2 de agosto de 1857. In: A. de Tocqueville, Oeuvres complètes, cit., v. 6, 1, p. 230.
72. Cf. D. Losurdo, Marx e il bilancio storico del novecento, Roma, 1993, cap. VII, § 3º.
73. K. Marx, Another civilisation war, 10 de outubro de 1859, e The opium trade, 20 de setembro de 1858. In: S. Avineri (ed.) Karl Marx on colonialism and modernisation, New York, 1968, p. 361-323; trad. italiana: In: K. Marx, F. Engels, India Cina Russia: le promesse per tre rivoluzioni, B. Maffi, (ed.) Milano, Il Saggiatore, 1976, p. 230 e 204; neste caso, não parece muito confiável a tradução alemã, In: MEW, v. 13, p. 516, v. 12, p. 552.
74. Carta a Reeve em 30 de janeiro de 1858. In: A. de Tocqueville, Oeuvres complètes, cit., v. 6, 1,
p. 254.
75. K. Marx, Der indische aufstand. In: MEW, v. 12, p. 200.
76. A. de Tocqueville, De la démocratie en Amérique. In: Oeuvres complètes, cit., v. 1, p. 357 e p. 355, nota.
77. Carta a F. de Corcelle em 1º de dezembro de 1846. In: Oeuvres complètes, cit., v. 15, 1, p. 224.
78. A. de Tocqueville, Ecrits et discours politiques. In: Oeuvres complètes, cit., v. 3, 1, p. 324.
79. E. J. Sieyès, Ecrits politiques, cit., p. 80 (Fragment quand on parle mécanisme, il ne faut s’adresser qu’aux mécaniciens).
80. Cf. C. Hunecke, Tendenze anticapitalistiche nella rivoluzione francese. In: Società e storia, I (1976), n. 1, p. 164.
81. A. de Tocqueville, Souvenirs, trad. italiana, p. 360-361.
82. Cf. A. E. Fink, Causes of crime. Biological theories in the United States 1800-1915, (1958), New York, 1962.
83. C. Ponting, Churchill’s plane for race purity. In: The guardian de 20-21.6.92.
84. F. Engels, Introdução à edição inglesa (1892) de Entwickung des Sozialismus von der Utopie sur wissenschaft. In: MEW, v. 22, p. 304.
85. R. Dahrendorf, Fragmente eine heven liberalismus, trad. italiana, p. 139 e 127.
86. Cf. G. Faye, A. de Benoist, Contro lo stato-provvidenza. Trasgressioni, set./dez. 1987, p. 81-94.
87. A. de Benoist, Vue de droite, Paris, 1978, p. 259.
88. Cf. G. Faye, Il neo-conservatorismo ameicano: un capitolo dell’ideologia egualitaria. Trasgressioni, maio/ago., 1986, p. 61-71.
89. A. de Benoist, Les idées à l’endroit, Paris, 1979, p. 31, p. 159 e 167 ss.
90. F. A. von Hayek, Law, legislation and liberty, trad. italiana, p. 311.
91. Declaração de Hayek à Wirtschaftswoche, de 6 de março de 1981.
92. Th. R. Malthus, An essay on the principles of population (6ª ed., 1826); trad. italiana: Saggio sul principio di popolazione, Torino, 1965, p. 497.
Fonte: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista5/5rev2.htm